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O Show de Truman completa 20 anos mais atual do que nunca

“Você já questionou a natureza da sua realidade?”

05.06.2018, às 17H03.
Atualizada em 07.06.2018, ÀS 09H00

O Show de Truman chegou aos cinemas em 1998 classificado como uma ficção científica quase distópica: o filme acompanha a história de Truman (Jim Carrey), um homem que nasceu e cresceu na frente das câmeras, em um reality show que transmite sua rotina 24h por dia. Todos ao redor do protagonista sabem o que está acontecendo, menos ele. Um dia, porém, Truman percebe alguns detalhes estranhos e, assim como os anfitriões de Westworld, começa a “questionar a natureza de sua própria realidade”.

Divulgação

Assim como a série da HBO, o filme toma bastante tempo para mostrar a “rotina” de Truman em sua cidade: ele sai de casa todos os dias, cumprimenta os vizinhos, é cheirado por um cachorro, sai de carro para o trabalho, compra seu jornal e vai para o emprego de corretor de seguros. Apenas 1h depois o longa apresenta Christof, o diretor de todo aquele show, interpretado por Ed Harris (que, curiosamente, também está no elenco de Westworld). “Eu gostei dos excessos de Christof, sua exploração das emoções. Ele vê a si mesmo como um Deus e qual diretor de cinema não gostaria de dizer ‘tragam o sol’?”, afirmou o diretor Peter Weir em uma entrevista ao The Independent, em 1998.

De fato, a relação entre Christof e Truman é de criador e criação: o astro do programa era um bebê indesejado, que foi escolhido para protagonizar algo inédito na TV até então: “o show da vida”, o espetáculo de acompanhar a rotina de uma pessoa comum, que não sabe que está sendo observada. Nos últimos 20 anos tudo isso se tornou cada vez mais real com os diversos reality shows que são exibidos todos anos. Assim como é mostrado com os fãs de O Show de Truman, há um “conforto” diferente em assistir histórias “reais” na TV. “As pessoas olham para lareiras por horas e contemplam as coisas. Muitas vezes a TV é só uma lareira eletrônica. Há também essa confusão entre fatos e fantasias - você também tem essa palavra, o infotenimento [mistura de informação e entretenimento]. É horrível. [Mas] esse filme vai acabar na TV, então que tipo de hipócrita eu sou? Não espero mudar nada, só acho engraçado”, afirmou o roteirista Andrew Niccol ao Independent.

Provavelmente ele não sabia disso na época, mas Niccol falou sobre algo conhecido hoje como fake news: notícias falsas que muitas vezes são divulgadas com o objetivo de mudar a ideia das pessoas sobre determinado assunto. Isso também acontecia com Truman: depois do trauma de perder Sylvia (Natascha McElhone), sua paixão de juventude, ele cria o sonho de sair de sua cidade natal e ir para as ilhas de Fiji. Mas tudo ao redor é feito para segurá-lo onde está: as agências de viagens alertam para os perigos do mundo afora; sua esposa Meryl (Laura Linney) sempre o estimula a ter uma vida calma e até a morte de seu pai é criada para deixá-lo traumatizado com o mar.

Essas tentativas de conter Truman dentro de sua própria realidade revelam sua infelicidade de continuar ali, apesar de não saber que está em um programa de televisão. Revisitar o longa leva a questionamentos que outros filmes e séries de TV fizeram nas últimas décadas: que direito a humanidade tem de fazer isso? Em 1998, essa pergunta já intrigava parte do público. Após uma exibição do longa, o diretor Peter Weir foi abordado por um espectador: “Ele disse que saiu do meu filme com um sentimento muito estranho. Então disse que percebeu o que era: ele estava pensando”.

A parte final de O Show de Truman é uma das mais emocionantes do cinema e levanta outros questionamentos mais profundos. Exatamente como um Deus, Christof chega perto de matar sua criação para não deixar que ele descubra a verdade. “Quando li o roteiro (...) eu estava procurando por uma ligação emocional. E o que me prendeu foi o risco que Truman correu quando ele percebe sua situação. O desejo desesperado por liberdade era tão profundo que ele estava preparado para arriscar sua vida e, ao fazer isso, superar seu maior medo”, completa o diretor.

Será que o que Truman viveu ali é falso, ou o fato de ser real para ele é suficiente? E o público, que o viu crescer por 30 anos, o que eles sentem também não pode ser considerado verdadeiro? São perguntas que não podiam ser respondidas antes e não podem ser agora. “Lembro que alguém me disse ‘esse é um filme muito bizarro’. Mas, apesar de sua história ser bem antiga, o cenário é novo e reflete os nossos tempos”, disse Weir em 1998. E continua refletindo.

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