Santoro quase recusou O Filho de Mil Homens: “Não queria fazer caricatura”
Omelete fala com elenco do filme brasileiro que é hit na Netflix
Créditos da imagem: Rodrigo Santoro em O Filho de Mil Homens (Reprodução)
Quase não tivemos Rodrigo Santoro como o pescador Crisóstimo em O Filho de Mil Homens, adaptação do livro de Valter Hugo Mãe dirigida por Daniel Rezende. Em entrevista ao Omelete, o ator contou que, embora estivesse procurando um projeto para voltar a trabalhar com o cineasta após Turma da Mônica: Laços, ele inicialmente achou que Crisóstomo era um desafio impossível.
“Quando ele me mandou o roteiro e eu li, falei: ‘Nossa, o que é isso?’ Eu não tinha lido o livro, e achei uma loucura. Muito lindo, mas não fazia a menor ideia de como fazer aquele personagem. O Crisóstomo não é de carne e osso. E ele é lindo na literatura, mas como fazer no cinema?”, comentou, dizendo que Rezende eventualmente o convenceu a participar do projeto ao prometer que os dois iam trabalhar juntos para “fugir da caricatura”.
A parceria deu certo, como os assinantes da Netflix puderam conferir nas últimas semanas – O Filho de Mil Homens ficou no top 10 brasileiro da plataforma durante um bom tempo após o seu lançamento, e também alcançou uma boa posição no ranking internacional de conteúdos da Netflix. Mais um sucesso para o momento brilhante que vive o cinema nacional.
A seguir, confira a conversa completa do Omelete com Santoro, Johnny Massaro (o Antonino do filme) e Rebeca Jamir (que vive Isaura na produção)!
OMELETE: Oi, pessoal, tudo bem? Primeiramente, parabéns pelo filme!
SANTORO: Olá, obrigado.
MASSARO: Oi, muito prazer.
JAMIR: Muito obrigada!
OMELETE: Queria dizer que é um prazer poder falar com vocês três juntos - porque vocês, mais o Miguel Martinez, são meio que o coração desse filme. Então queria saber como foi o espaço para construir essa química. O Daniel deu bastante abertura, teve bastante ensaio? Como é que foi isso?
MASSARO: Cara, a gente teve uma preparação muito linda. O Dani, junto com a Estrela Straus [preparadora de elenco], nos reuniu ao redor do roteiro, e juntos buscamos esse espaço, essa química – com muita leitura, muita improvisação, e foi muito emocionante. Eu lembro de um momento com o Miguel, uma cena em que eu estava chorando muito. A gente estava deitado no chão, nós três. Aí o Miguel olhou para mim: ‘Tá tudo bem?’. E eu falei: ‘Tá, tá’. Era o primeiro trabalho dele, e eu estava bastante emocionado, acho que ele achou que eu tivesse, sei lá, passando mal. Pra gente é normal – ator louco, se jogando no chão, chorando. [Risos] Então foi esse o espaço que a gente, de muita emoção o tempo inteiro, onde a gente descobriu muita coisa, inclusive a cena do grito e toda aquela formação, todo o abraço entre nós. Foi muito especial.
SANTORO: Eu acho que a gente partiu do princípio ativo do próprio livro, que é o acolhimento. E a gente teve um diretor muito generoso e muito conectado com todos nós, que criou um ambiente inicial, um ponto de partida extremamente amoroso. O próprio Miguel, que está em seu primeiro trabalho – nossa, eu aprendi um monte com o Miguel. O que eu acho interessantíssimo, também, de trabalhar com não-atores, é porque a gente também sai do lugar da experiência e vai para um lugar mais despreparado, mas que é muito interessante e tem muito para ensinar também.
JAMIR: Eu acho que foi muito lindo a gente poder ter esse processo de preparação, além de partir de uma obra que já tem imagens tão maravilhosas como essa obra do Valter Hugo. Acho que traz uma profundidade, traz um lirismo de cara, e uma riqueza de detalhes que, às vezes, quando você simplesmente tem um roteiro ou uma dramaturgia... Eu sou uma pessoa muito mais do teatro, né, onde você constrói de outras maneiras. Eu sinto que a gente se conectou muito com a história do livro, e eu acho que ela foi realmente o grande coração dessa preparação.
OMELETE: Legal! Vocês falaram um pouquinho do Daniel, e a gente vê como esse é um projeto muito próximo do coração dele. Rodrigo, você já tinha trabalhado com ele no Turma da Mônica, né?
SANTORO: Sim, só um pouquinho, mas foi o suficiente pra gente querer repetir a experiência. Tive uma diária, uma noturna [em Laços], mas a gente ficou querendo encontrar algo novo pra fazer juntos. E aí um dia ele apareceu com esse algo.
OMELETE: Eu queria perguntar, então, se você vê a diferença dele no set da Turma da Mônica para este. Existe mais envolvimento, mais paixão ali?
SANTORO: Eu já achei o Dani muito sensível, delicado, no Turma da Mônica. Me chamou a atenção a forma como ele conduzia o set. Mas sim, n’O Filho de Mil Homens foi diferente. Primeiro, quando ele me mandou o roteiro e eu li, falei: ‘Nossa, o que é isso?’ Eu não tinha lido o livro, e achei uma loucura. Muito lindo, mas não fazia a menor ideia de como fazer aquele personagem. O Crisóstomo não é de carne e osso. E ele é lindo na literatura, mas como fazer no cinema? [O Daniel me respondeu:] ‘Não, eu também não sei, mas se quiser a gente pode tentar descobrir juntos’. E eu disse: ‘Não, cara, eu quero, mas realmente, esse aí tá puxado. Fazer ele de carne e osso, não virar uma caricatura, e tudo mais, vai ser complicado’. Então, a gente teve que trabalhar muito.
E o Daniel nesse set, eu achei de um equilíbrio incrível. Eu ficava observando, vendo como ele construía o ambiente. No primeiro dia, a gente fez uma roda enorme, começou a criar aquela família que vai surgindo em todo set. O filme fala, inclusive, disso! A gente acaba virando uma família, todo mundo ali tentando fazer o melhor possível possível, querendo contar uma grande história… Esse set teve alguma coisa, tenho certeza que pela essência do livro, essa ideia de: ‘Vamos nos olhar, vamos nos ver, vamos nos escutar, vamos nos respeitar’. E a gente foi para um lugar mais sensível, mais silencioso, um lugar que escuta, que olha e vê.
Por isso eu acho que esse filme é muito atual, porque a gente tá muito ensimesmado, muito individualista, muito distraído o tempo todo. Opa, entrou uma mensagem aqui [no celular], sabe? E a vida vai acontecendo. [O Filho de Mil Homens] é um grande convite a gente refletir sobre acolhimento. O filme fala sobre adoção também, né? O Crisóstomo quer ser pai, mas acho que também é sobre adotar o outro, adotar o mundo com o olhar e a escuta. O Crisóstomo é uma grande metáfora nesse sentido, e conforme esses personagens que vão se encontrando, a gente vai falando do alargamento do conceito de família.
OMELETE: Muito bonito isso! Johnny, eu queria falar com você sobre o seu personagem. Todos os personagens no filme tem lados muito intensos, e o seu vem com essa questão da repressão da sexualidade, o alienamento parenta. Como foi trazer essas questões à frente para a encenação? Foi um personagem que te marcou mais fundo?
MASSARO: Com certeza. Eu sou muito fã do livro e do Valter, na verdade. Então eu pedi para fazer esse filme. Quando eu vi que o Dani ia dirigir, eu mandei uma mensagem para ele falando: ‘Cara, nesse set eu sirvo até cafezinho’. Servi cafezinho, inclusive! [Risos] Mas também tive esse privilégio de ser o corpo de um personagem de um dos meus livros preferidos. Então, eu fui muito sensibilizado, e também sentindo uma espécie de responsabilidade. Como leitor do Valter, quando eu assisti o filme, me senti bastante contemplado.
Acho muito interessante pensar no Antonino como o lado oposto do Crisóstomo. Essas duas pontas de masculino que, ao mesmo tempo que se contrapõem, também se complementam, e tem como intercessão essa mulher maravilhosa que é Isaura. E todos eles partidos, solitários. É engraçado que você fala sobre a repressão, porque ela não vem dele, e sim do mundo, da mãe, então ele tem que lidar com a repressão do externo… E, obviamente acaba internalizando isso. É muito bonito esse percurso do desabrochar dele, porque é preciso muita coragem para a gente se aproximar de quem a gente é. às vezes o mundo não facilita esse processo, e a gente vê muito isso através do filme. É claro que isso me toca em muitos lugares assim pessoais, estão espero que tenha conseguido botar isso lá.
OMELETE: Está lá, com certeza! Bom, queria falar com todos vocês desse momento que a gente tá vivendo no cinema brasileiro, absurdamente positivo. As produções estão chegando em maior número, alcançando mais gente. Como vocês estão sentindo isso? Tem sido algo palpável nos projetos que chegam até vocês?
JAMIR: Olha, essa é a minha entrada no cinema, né? E eu falei pros meus amigos: imagina você começar numa mídia nova com uma personagem do Valter Hugo Mãe, dirigida pelo Daniel Rezende, companheira da personagem do Rodrigo Santoro, melhor amiga do Johnny Massaro, filha da Grace Passô e do Carlos Francisco! É de uma felicidade tremenda. Eu acho que é um momento muito lindo pro cinema brasileiro, sobretudo – e é uma honra muito grande fazer parte disso – porque eu acho que o nosso público está lotando as salas de novo para ver as nossas histórias, sabe? O público brasileiro quer ver cinema brasileiro, e isso é muito poderoso para nossa identidade cultural, para formação dessa opinião coletiva da nossa maneira de fazer essa arte tão maravilhosa que é o cinema.
MASSARO: Mas tem uma coisa, também… eu acho que eu fui o único que não assistiu ao filme antes da estreia, né? Eu fiz essa escolha. Fui na primeira sessão oficial, muito disposto a tentar absorver ele como um espectador. E quando eu estava lá, vendo, pensei: cara, eu acho que eu nunca vi um filme nacional tão bonito na minha vida. Era muito lindo aquilo tudo, sabe? Eu realmente não consigo encaixar o nosso filme dentro de algum lugar que eu já tenha presenciado, como espectador, no cinema nacional. Então, acho que a gente vem num lindo momento de tantos filmes acontecendo, tão poderoso, mas o nosso filme vem ainda de um outro lugar, sabe? Parece que vem de um outro planeta, e isso alarga muito. Eu realmente nunca vi nada parecido. É mérito do Dani, com certeza, mérito de toda equipe e também, com certeza, do Valter. Dessa história, dessa raiz que pulsa.
SANTORO: Eu acho que o mais importante é que esse momento continue. Que não seja um ‘ah, 2025 foi incrível, hein?’, e ficou nisso. O cinema brasileiro já vem há muitos anos conquistando reconhecimento internacional, reconhecimento dentro do país, mas acho que o que a Rebeca falou é para mim o mais interessante. Ainda Estou Aqui, quando fez aquele fenômeno de bilheteria, eu gosto de chamar de retomada do público brasileiro. Há muito tempo a gente não via algo assim, e foi uma sensação incrível de perceber que eles ainda estavam dispostos a vir nos assistir. Eu fico arrepiado, porque isso me comove. É claro que é legal ser reconhecido, eu tava num filme que ganhou Urso de Prata em Berlim – pô, é maravilhoso. Mas a sala enchendo, e o público vendo os nossos filmes é ainda melhor, porque isso é o que fomenta a indústria. O filme brasileiro não vai resistir na sala de cinema se ele não tiver o público prestigiando, porque a grande maioria das salas são ocupadas por filmes estrangeiros, americanos, os blockbusters. Aí você vai lançar um filme nesse ambiente, e ele precisa performar. Vivemos na sociedade da performance, do desempenho. Então ele precisa, senão ele vai acabar saindo de cartaz. É sempre uma luta.
Por isso, deixo também meus parabéns para Netflix de ter dado o greenlight para um filme, especialmente para um filme baseado numa obra literária tão linda, tão poética, tão humana. E daí ele vai entrar no cinema e depois vai para plataforma, em 190 países. Sei lá, vai chegar em tantos lugares que eu nunca imaginaria. É uma loucura de pensar, e eu fico muito feliz com isso, porque é uma sementinha, como o Daniel gostava de falar: vamos plantar a sementinha de Crisóstomo em vários corações, em vários lugares.
OMELETE: Perfeito. Muito obrigado, viu? Parabéns pelo filme de novo, pessoal.
SANTORO: Obrigado, Caio.
MASSARO: Obrigado!
JAMIR: Obrigada!
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