O dia em que voltei ao cinema por Christopher Nolan

Créditos da imagem: WB/Divulgação

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O dia em que voltei ao cinema por Christopher Nolan

Oito meses depois, pisei numa sala de cinema de novo, para saber se Tenet veio nos salvar

27.10.2020, às 11H13.
Atualizada em 27.10.2020, ÀS 12H16

Ame ou odeie Christopher Nolan, é preciso reconhecer que o diretor é um dos poucos nomes de grife hoje em Hollywood a fazer da experiência no cinema um fim em si mesmo. Se o espaço da sala escura é sagrado, então é com uma obsessão mesmo religiosa que Nolan defende o preciosismo da projeção em película, dos efeitos visuais práticos, das especificações técnicas de IMAX. Haveria muito de arrogância britânica nisso se o próprio cinema de Nolan não fosse feito, desde os primeiros filmes, pensando sempre nas atrações. Se os blockbusters dos anos 2000 voltaram a ser pautados pela atração (e pelo caráter novidadeiro, não pelos seus astros) isso se deve muito a tecnicistas como Nolan, James Cameron, Peter Jackson.   

É plenamente discutível a estratégia de Nolan de, no auge da pandemia, colocar o lançamento de seu Tenet como uma prioridade. No começo de outubro o crítico Guy Lodge escreveu no Guardian - com uma tendência ao alarmismo esclarecido que é típico do jornal inglês - que o lançamento meia-bomba de Tenet em setembro foi crucial para espantar os demais blockbusters de fim de ano para a temporada 2021, o que pode impactar negativamente as redes de exibidores ainda mais (na mesma semana a rede Cineworld inglesa anunciou que voltava a fechar temporariamente suas salas).

Ninguém pode acusar Nolan, porém, de não ser assertivo. E num contexto em que atividades culturais esboçam um retorno mas o público fica num fogo cruzado de argumentações - os exibidores dizem que as salas de cinema têm sistemas de refrigeração com renovação de ar similar ao de hospitais, os epidemiologistas reforçam que a melhor precaução é seguir o distanciamento social - essa assertividade ganha quase um caráter de verdade absoluta. Tenet é um blockbuster milionário do mesmo criador de A Origem que foi projetado para ser visto na maior tela possível, e talvez seu destino manifesto seja mesmo salvar os cinemas.

Christopher Nolan não parece ser o tipo de artista abnegado que recusa esse messianismo caso lhe atribuam. De qualquer forma, na melhor das hipóteses, Tenet pode ser um passatempo digno do valor do ingresso, e foi com uma mistura de receio e empolgação que voltei a uma sala de cinema depois de oito meses, para assistir ao filme numa sessão de imprensa em São Paulo.

O ofício levou igualmente outros 80 jornalistas ao IMAX naquela manhã; a lotação da sala, que comporta 379 pessoas, foi reduzida seguindo as especificações de combate ao Covid-19. As poltronas são marcadas com intervalos variados (há algumas juntas, para casais, e a maioria segue a regra de duas poltronas de distância) e recomendava-se que cada jornalista ficasse com sua própria garrafa de água e só removesse a máscara quando fosse bebê-la. De início, assistir a novíssimas vinhetas de segurança na telona de IMAX causa uma sensação incômoda - como se a oportunidade de vê-las fosse uma novidade auspiciosa, uma atração - mas eu estava ocupado demais tentando respirar sem embaçar meus óculos para reparar nos avisos.

Tenet dura duas horas e meia, tempo suficiente para abstrair de vetores de contágio, carga viral, classes de EPI e outros conceitos a que fomos apresentados ao longo de 2020. Ao final da sessão, a saída da sala é feita por fileiras, como numa cerimônia de escola. Que os personagens do filme recorram a máscaras de oxigênio a certa altura - uma baliza visual que Nolan cria para ajudar o espectador a diferenciar os personagens que estão no contrafluxo temporal - é uma irônica lembrança do que estamos vivendo fora da ficção.

Ainda assim, pelo menos para mim, e independente da qualidade do filme, voltar ao cinema, ficar com o nariz colado na tela (eu sempre escolho as primeiras fileiras, então não fiquei com a sala esvaziada no meu campo de visão, como lembrete das medidas de segurança), tem o poder mesmo de transportar por duas horas para uma realidade suspensa e segura.

Essa impressão é obviamente emocional e não tem nenhum lastro científico, e não há argumento pró ou contra a reabertura das salas de cinema que possa remediar nossa sensação de estranheza ou pelo menos melancolia quando o filme termina, as portas se abrem e voltamos a encarar a realidade. Se o cinema de atrações, como o feito por Nolan, se renova de tempos em tempos em Hollywood é justamente porque seu poder de capturar nossa atenção ainda respira, mesmo com dificuldades. 

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