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Na Cidade de Sylvia - Festival do Rio 2008

O diretor espanhol José Luis Guérin conta sua história platônica de amor

28.09.2008, às 21H00.
Atualizada em 10.11.2016, ÀS 15H01
O filme começa em um quarto de hotel. Um jovem de olhos azuis claros, cabelos compridos, queixo quadrado e barba rala, sentado na cama, faz em um caderno anotações puxadas da memória. Quando ele sai, na viela de pouco movimento ouvimos conversas esparsas em francês, espanhol, inglês e alemão.

Na Cidade de Sylvia

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Com apenas esses dois planos estáticos - fechado no ator Xavier Lafitte e depois aberto na rua - o roteirista e diretor José Luis Guérin consegue nos passar informações essenciais sobre o seu filme: estamos em uma cidade não só cosmopolita, mas também uma cidade, ecoando a poética de Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino, que se constrói de lembranças afetivas. Um lugar em que a informação mais exata que podemos receber, e guardar, são as feições de um jovem belo. Estamos Na Cidade de Sylvia (En la Ciudad de Sylvia, 2007).

Muito depois o espectador atento descobre que as filmagens se passam em Paris, mas isso não é importante. O protagonista sem nome - turista, talvez - está atrás de uma mulher muito específica. Ele passa os dois primeiros dias de sua estadia sentado em um café observando rostos, cabelos, sorrisos, desenhando-os em seu caderno. E então Guérin dá outra informação fundamental para entendermos a lógica de sua obra: acima do esboço de um rosto feminino no caderno, o protagonista decide escrever uma frase, mas antes ele tira os fones de ouvido que estava usando.

É um gesto trivial, mas emblemático. O personagem (acho que a esta altura desta semi-epopéia já podemos chamá-lo de "nosso herói") não quer saber de ruídos na hora em que decide sintetizar, em uma frase, aquilo que corre na sua mente. Guérin é assim também. Usa basicamente só plano e contraplano neste começo, sempre com o enquadramento centrado nos rostos de pessoas sentadas no café, tentando decifrá-las, eternizá-las. Ao redor temos barulhos de copos, um som de violino, pessoas passando, seja o gordo pedindo esmolas ou o africano vendedor de rua, mas Guérin não se distrai. É um cinema puro, retratista, pictórico mesmo, como os rabiscos no caderno de nosso herói.

E daí nasce um elogio belíssimo das mulheres. Na verdade, Guérin não é nada bobo - as mulheres de seus enquadramentos ficam ainda mais bonitas porque as pessoas que o diretor escolhe não seguir com a câmera são sempre gordos, sujos, mancos. Essa busca pela pureza renegando a feiúra do mundo é legítima? Na Cidade de Sylvia é pior por ser politicamente incorreto? Não cabe aqui julgar (vale apenas dizer que a cacofonia de imagens e sons, seja um cabelo ao vento, o folhear incerto do caderno ou um rosto desfigurado na multidão, uma hora se impõe).

Julguemos Guérin apenas pela forma como ele entrega aquilo que havia proposto: contar uma pequena história sobre a construção de uma cidade a partir da construção de um rosto de mulher. Não por acaso, quando acha que finalmente descobriu a moça que procurava, nosso herói está com ela dentro de um ônibus, diante de um janelão em que vemos a cidade passando veloz atrás. Aquilo é praticamente um flashback simbólico - a memória do protagonista ao fundo, tornada imagem para nós, repassando lugares, enquanto no primeiro plano se desenrola o tão esperado encontro. Belíssimo momento, belíssimo filme.

Quem diz que este é o tipo de cinema "de arte" em que "nada acontece" está míope. Há ali voyerismo e mistério, componentes dos grandes filmes. Como não enxergar essa paixão fulminante diante de nossos olhos? Paixão pela forma, pelos gestos...

Mas, afinal, quem é a Sylvia do título?

E realmente importa saber?

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