Morre Leon Cakoff
Fundador da Mostra de SP tinha 63 anos
Leon Cakoff, crítico de cinema, produtor e criador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, morreu hoje, 14 de outubro. Ele tinha 63 anos e lutava há vários anos contra dois tumores no cérebro.
Leon Cakoff
Cakoff deixa como seu maior legado a Mostra, o mais antigo festival internacional de cinema do Brasil, que este ano chega à sua 35a.edição. O evento anual começou da experiência do crítico com a programação cinematográfica do Museu de Arte de São Paulo, função que ele iniciou em 1974. A primeira Mostra, em 1977, nasceu com o museu - tornando-se independente da instituição 9 anos depois.
Desde então, além de conduzir anualmente o importante evento cinéfilo, Cakoff também produziu filmes, dirigiu curtas e fundou uma distribuidora, a Mais Filmes.
Ela deixa sua esposa, Renata de Oliveira, diretora da Mostra, e quatro filhos, além de uma legião de cinéfilos agradecidos pelo seu trabalho pioneiro.
Leia abaixo a nota oficial de falecimento da Mostra de SP
Um dos maiores nomes da resistência cultural no Brasil durante a ditadura, Leon Cakoff, fundador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, morreu hoje, sexta-feira dia 14 outubro, às 13 horas, por conta de complicações decorrentes de um melanoma – câncer que atinge o tecido epitelial. Ele estava internado há duas semanas no Hospital São José, em São Paulo. O corpo será velado no Museu da Imagem e do Som - MIS de São Paulo, (Av. Europa, 158 - Jardim Europa) a partir das 17 horas de hoje até às 12 horas de sábado (15). O corpo seguirá para o Memorial Parque Paulista (R. Dr. Jorge Balduzzi, Nº 520, Jd. Das Oliveiras - Embu Das Artes), onde será cremado.
Leon Cakoff nasceu Leon Chadarevian em Alepo, na Síria, em 12 de junho de 1948. Veio para o Brasil com a família aos oito anos de idade e formou-se pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Por problemas com o regime militar, adotou o pseudônimo Cakoff, que nunca mais abandonou.
Leon foi casado durante 22 anos com Renata de Almeida, atual diretora da Mostra. Ela dirige a Mostra a seu lado desde a 13ª edição do evento, em 1989. Deixa dois filhos com ela, Jonas e Thiago, além de dois filhos anteriores do primeiro casamento, Pedro e Laura.
Ele começou a carreira em 1969 como jornalista e depois crítico de cinema nos Diários Associados. A partir de 1974, dirigiu o Departamento de Cinema do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e iniciou a programação de mostras e ciclos no museu.
Em 1977, para comemorar os 30 anos do Masp, Leon criou a 1ª Mostra Internacional de Cinema, com 16 longas e 7 curtas brasileiros e internacionais. Logo no primeiro ano, foi criada uma das maiores marcas do festival, o prêmio com o voto do público, que na primeira edição foi para Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia, de Hector Babenco. Um artigo do Jornal do Brasil registra que “a Mostra é oúnico lugar onde se pode votar no país”.
Desde a primeira edição, Leon travou uma luta ferrenha contra a censura imposta pelo regime militar, trazendo filmes até por meio de malas diplomáticas de embaixadas e consulados. Foi assim que a Mostra exibiu filmes inéditos vindos da China, Cuba, União Soviética, França e dos mais distantes países.
A partir de 1984, Leon desligou-se do Masp e carregou consigo o evento. A 8ª Mostra foi marcada por alguns dos maiores embates contra a censura. É o ano da histórica sessão de O Estado das Coisas de Wim Wenders no Cine Metrópole, ao fim da qual ele subiu ao palco para anunciar a ordem federal de fechamento do cinema e interrupção do festival. O fato repercutiu em diversos jornais no exterior. Leon conseguiu retomar as projeções quatro dias depois.
Grandes cineastas
Ao longo dos 35 anos de Mostra, Leon introduziu no Brasil o cinema de grandes autores que de outra forma não teriam chegado ao público nacional. Todos esses diretores tornaram-se também seus amigos pessoais. É o caso do português Manoel de Oliveira, o cineasta mais velho do mundo em atividade, hoje com 102 anos, de quem a Mostra apresentou regularmente os filmes a partir de Amor de Perdição (1979, na 3ª Mostra); o iraniano Abbas Kiarostami, diretor de Gosto de Cereja e Cópia Fiel; e o israelense Amos Gitai, diretor de Kadosh e Alila. Todos vieram inúmeras vezes a SãoPaulo como convidados ou membros do Júri internacional da Mostra.
Outros grandes diretores que passaram pela Mostra foram o americano Quentin Tarantino com seu primeiro filme, Cães de Aluguel (1992, 16ª Mostra); o espanhol Pedro Almodóvar, que abriu a 19ª Mostra em 1995 com A Flor do Meu Segredo; o americano Dennis Hopper, que veio a São Paulo em 1984 apresentar O Último Filme; o alemão Wim Wenders, que veio a São Paulo na 32ª e na 34ª Mostra; o diretor de fotografia mexicano Gabriel Figueroa, que trabalhou com John Huston e Luís Buñuel, convidado da 19ª Mostra em 1995; o iraniano Jafar Panahi, hoje mantido em prisão domiciliar pelo governo do Irã; o sérvio Emir Kusturica e o finlandês Aki Kaurismaki, entre tantos outros.
Produtor, diretor e escritor
Leon Cakoff também foi o produtor de importantes projetos que reuniram grandes diretores. Em 2004, ele organizou e lançou na 28ª Mostra o filme Bem-Vindo a São Paulo, reunião de curtas sobre a cidade dirigidos por 12 cineastas, entre eles Caetano Veloso, Phillip Noyce, Maria de Medeiros, Daniela Thomas, Amos Gitai e Tsai Ming-Liang. Foi também o produtor de O Mundo Invisível, filme inédito que reúne curtas de Manoel de Oliveira, Wim Wenders e Atom Egoyan, que terá exibição na 35ª Mostra.
Leon dirigiu ainda os curtas Volte Sempre Abbas (1999) e Natureza-Morta (2004), ambos em parceria com Renata de Almeida, e Esperando Abbas (2004).
Ele escreveu os livros Gabriel Figueroa – O Mestre do Olhar, grande entrevista com o mexicano; Ainda Temos Tempo, com crônicas de viagem ligadas a cinema; Cinema Sem Fim, com a história dos 30 anos da Mostra; e Manoel de Oliveira, uma grande entrevista sua com o cineasta português.
Distribuidore exibidor
Além de programador e produtor, Leon também atuou nas outras pontas do mercado cinematográfico. Em 2000, junto com Adhemar Oliveira, Patrícia Durães e Renata de Almeida, formou a distribuidora Mais Filmes, especializada em filmes de autor. Nos últimos anos, mantinha, com Renata de Almeida, a Filmes da Mostra, que lança filmes em cinema (como Tio Boonmee..., vencedor da Palma de Ouro em Cannes) e coleções em DVD, em parceria com a LivrariaCultura.
Com Adhemar, ele era sócio desde 2001 do Unibanco Arteplex, primeiro cinema do Brasil a usar o conceito de multiplex para incluir filmes de arte da programação.