Kim Jee-woon confessa que está exausto. “Sempre que termino um filme, percebo que estou em péssima condição física”, brinca ele durante coletiva de imprensa realizada na tarde da última quarta-feira (11) no REAG Belas Artes, em São Paulo (SP).
O diretor sul-coreano de clássicos como Medo (2003) e Eu Vi o Diabo (2010) - que, ao lado de Park Chan-wook (Oldboy) e Bong Joon-ho (Parasita), fez parte de uma geração emblemática de cineastas do seu país - está no Brasil justamente para lançar uma produção que tem a ver com essa entrega da qual fala. Na Teia da Aranha, que está em cartaz nos cinemas brasileiros pela Pandora Filmes, acompanha um cineasta (Song Kang-ho) que dá o sangue para finalizar sua última obra, um melodrama com aspectos sobrenaturais, durante a ditadura militar sul-coreana dos anos 1970.
“Eu não vou mentir: muitas falas do diretor Kim dentro do filme, de fato, refletem coisas que eu sinto”, comenta ele durante entrevista exclusiva ao Omelete, realizada após a coletiva. “Isso é algo que aprendi fazendo filmes: geralmente, quando os criadores sofrem para fazer uma cena, o público tende a gostar dela”.
Além de acompanhar o lançamento de Teia, o diretor aproveita a viagem a São Paulo para participar da 14ª Mostra de Cinema Coreano no Brasil - que exibe, entre outros títulos inéditos, o seu A Era da Escuridão (2016), um épico histórico sobre a resistência sul-coreana ao imperialismo japonês nos anos 1940.
A seguir, Kim fala do impacto do cinema coreano no Brasil, da parceria produtiva com Song Kang-ho, de seus próximos projetos, e até de uma colaboração antiga com certo ator brasileiro popular em Hollywoood… Confira!
OMELETE: Bem-vindo ao Brasil, diretor Kim! O sr. está aqui para lançar um novo filme, Na Teia da Aranha, e também participar da Mostra de Cinema Coreano no Brasil. Como você vê a recepção do cinema sul-coreano por aqui, e sua popularidade ao redor do mundo?
KIM: Obrigado! Acredito que, recentemente, todos os conteúdos sul-coreanos - como filmes, k-dramas, k-pop, ou até mesmo k-food e cosméticos sul-coreanos - tornaram-se uma tendência. Antes dessa grande onda que vemos hoje, no entanto, creio que os filmes sul-coreanos foram provavelmente o ponto de partida, quando começaram a se tornar conhecidos globalmente nos anos 2000. Ouvi dizer que agora a onda da cultura sul-coreana está atingindo com mais força a América do Sul, e especificamente o Brasil, então estou muito feliz por ter vindo ao seu país com um filme justamente neste momento.
OMELETE: Curiosamente, o sr. já filmou com um ator brasileiro, Rodrigo Santoro. O que pode nos dizer do trabalho ao lado dele? O sr. é um fã do cinema brasileiro?
KIM: É verdade, filmei O Último Desafio [filme de ação de 2013] com Rodrigo Santoro e Arnold Schwarzenegger. Eu já era um grande fã do Rodrigo, por causa de 300, e quando trabalhei com ele fiquei muito impressionado com os seus métodos de atuação. Ele se torna completamente os personagens que interpreta, mesmo durante os intervalos dava para perceber que ele estava vivendo aquela realidade.
É um detalhe bobo, mas me lembro de um momento específico em que notei as unhas de Rodrigo… ele tinha sujeira embaixo das unhas durante todas as filmagens. Fui conversar com ele, perguntei porque ele nunca as limpava, mas ele me disse que era uma questão de manter a fidelidade ao personagem. O homem que ele interpretava era meio rebelde, e começava a história em uma prisão - então Rodrigo achava que era realista um detento ter sujeira embaixo das unhas. Fiquei surpreso com isso.
OMELETE: Por falar em atores, a colaboração entre o sr. e o ator Song Kang-ho é emblemática. Na Teia da Aranha já é o quinto filme que vocês fazem juntos, então quero perguntar: o que Song Kang-ho traz de especial que se encaixa tão bem no seu imaginário e nas suas histórias?
KIM: Ter feito praticamente metade da minha filmografia com um ator tão grandioso é, para mim, um grande privilégio. Nós começamos a fazer filmes juntos durante o que pode ser chamado de renascimento do cinema coreano, do final dos anos 1990 aos anos 2000 [a primeira colaboração dos dois foi Tudo em Família, de 1998]. Considero que aquela foi a era de ouro do cinema sul-coreano, então acho que existe forte senso de coleguismo entre nós por termos construído juntos uma boa época.
Mas é claro que nossa relação vai além disso. Mais do que qualquer outra coisa, nós crescemos juntos, evoluímos juntos como artistas, e isso tem um significado muito grande quando você está criando lado a lado com alguém. Song Kang-ho tem uma paixão pelo cinema, e uma dedicação ao cinema, que me emociona muito - acho que isso é um ponto comum entre todos os grandes atores que conheci.
OMELETE: O protagonista de Na Teia da Aranha é um diretor de cinema com o sobrenome Kim… acho que ele tem algo em comum com o sr. [Risos] O quanto este personagem lhe representa dentro da trama? Você o usou de alguma forma para falar de frustrações com a indústria cinematográfica?
KIM: [Risos] Olha, o sobrenome Kim é muito comum na Coreia… mas eu não vou mentir, muitas falas do diretor Kim dentro do filme, de fato, refletem coisas que eu sinto. Por exemplo, na cena do incêndio no set de filmagens, naquele momento perigoso, mais do que se preocupar com a segurança das pessoas ou de si próprio, ele pergunta: ‘A câmera capturou tudo?’. É como se, tendo perdido todo o senso de realidade, a única coisa que importasse a ele fosse realizar aquele filme. Às vezes eu me sinto dessa forma ao filmar.
Lembro de quando gravei Os Invencíveis [faroeste de 2008, estrelado por Song Kang-ho e Lee Byung-hun], e tínhamos uma grande cena de explosão. Foi um caos enorme, a explosão incendiou o set ao redor, e as pessoas correram para apagar o fogo - mas eu fui até o diretor de fotografia perguntar se conseguimos pegar bem a cena. Não deixa de ser uma atitude parecida com a do personagem!
A forma como Kim insiste em gravar em plano-sequência, por outro lado, também me é familiar. Frequentemente me perguntam por que escolho filmar de um jeito ou de outro, que quando há opções mais fáceis. Acontece que, quanto mais difícil for filmar uma cena, mais energia fica contida nela - e essa energia, que nós investimos com tanto esforço, será transmitida integralmente ao público. Isso é algo que aprendi fazendo filmes: geralmente, quando os criadores sofrem para fazer uma cena, o público tende a gostar dela.
OMELETE: O seu próximo filme, The Hole, mistura elenco ocidental e asiático para contar a história de um homem acamado que tem seus segredos revelados enquanto se recupera de uma doença. Como este projeto chegou até o sr.? E o que o público pode esperar dessa história?
KIM: A história de The Hole é baseada no livro de uma escritora sul-coreana chamada Pyun Hye-young. Ela foi a primeira autora sul-coreana a vencer o Shirley Jackson Award, um prestigioso prêmio da literatura de suspense nos EUA. Acho que, por causa disso, eles queriam um diretor sul-coreano para a adaptação, e a proposta chegou até mim.
O filme será um thriller psicológico com capital estadunidense, mas colaborações da Coreia. Theo James [ator de Divergente e O Macaco] interpreta o protagonista, atuando ao lado da atriz Hoyeon, que ficou famosa no Ocidente por conta de Round 6, e de Yeom Hye-ran, que recentemente apareceu em Se a Vida Te Der Tangerinas. Nós realizamos boa parte das filmagens na Coreia do Sul, mas ainda faltam algumas cenas nos EUA.
Estou animado para mostrar o resultado ao público!
OMELETE: Muito obrigado, diretor Kim! Tenha uma ótima estadia no Brasil.
KIM: Obrigado! Estou feliz por estar aqui.
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