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Indicado ao Oscar, Sem Amor leva às telas uma Rússia de falências morais

O polêmico cineasta Andrey Zvyagintsev aborda agruras da infância em produção premiada em Cannes

07.02.2018, às 14H52.
Atualizada em 08.02.2018, ÀS 15H04

Herdeiro indireto da estética russa, uma das tradições mais respeitada do cinema de autor, o cineasta Andrey Zvyagintsev comemorou seus 54 anos na última terça-feira (6), às voltas com os preparativos para o Oscar 2018 com o longa Sem Amor. Batizado mundialmente de Loveless, a produção deu a ele o Prêmio do Júri no último Festival de Cannes e mais 14 láureas internacionais e, agora, disputa a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro. Três anos atrás, ele também brigou pelo prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, concorrendo na ocasião com Leviatã (2014), uma radiografia política da corrupção em seu país. Mas aqui, em seu longa-metragem atual, a podridão das práticas de governo dá lugar à ferrugem das formas de amar.

Sony Classics/Divulgação

"Sou um cineasta fora do sistema, dentro dos esquemas da cultura na política da Rússia, porque eu troquei a dimensão existencial dos meus primeiros filmes por uma natureza especular: o cinema que busco fazer é um retrato da Moscou de hoje, com seus desacertos, suas incertezas e um frio que dói na alma”, diz Zvyagintsev, um fã de Al Pacino que queria ser ator, mas desistiu de interpretar para dirigir.

Encarado pelo planisfério cinéfilo como uma reserva estética de arrebatamento desde que ganhou o Leão de Ouro em Veneza por O Retorno (2003), ele foi recompensado com uma salva de palmas por Sem Amor. Tradução melhor do que a literal, “desamor”, este longa-metragem sobre a desagregação de uma ex-família não poderia ter, ao registrar a derrocada moral de uma Europa açodada em dívidas. Trata-se de um retrato moral da classe média russa a partir de uma falência amorosa, que começa como um reles quiporocó em família e evolui para um enredo policial acerca do sumiço de um menino.

"A Rússia foi muito mimada com a possibilidade de atribuir seus erros políticos às demais nações ocidentais que são suas vizinhas, sem assumir suas fraturas morais. Por isso, o radicalismo afetivo de uma história de amor me leva ao buraco mais fundo da sordidez ética", diz o cineasta. "Gosto de retratar a vida em família com um campo de batalha".

Em Sem Amor, um ex-casal que não se suporta tem um filho pra criar. Mas o garoto sofre com o desdém de ambos, que desenvolveram vidas paralelas sem se preocupar com o bem estar dele. Um dia, o menino desaparece, sem deixar vestígios. E aí, o lodo transborda e afoga as poucas aparências que sustentavam aquela relação. A polícia entra em campo atrás do guri e parentes são acionados como testemunhas do caso (a visita à casa da avó dele é devastadora). A montagem do filme evolui para um clima de suspense que sufoca a plateia, enquanto a fotografia (aspecto mais bem cuidado na obra do cineasta) se deixa embebedar pela imensidão de cinza e de verde escuro ao seu redor.

"Na vida a dois, as pessoas mostram lados obscuros e as crianças são testemunhas silenciosas desses espetáculos", diz Zvyagintsev. "O sumiço do garoto é a perda da plateia doméstica: uma platéia que é refém da irresponsabilidade".

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