Filhote | Críica
<i>Filhote</i>
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A primeira tomada do filme espanhol Filhote (Cachorro, 2004) usa uma ferramenta narrativa consagrada pelo cinema moderno. A câmera passeia pelos porta-retratos espalhados em um apartamento, como forma de transmitir, sem palavras, como é a vida da pessoa que mora ali. Economiza-se, assim, um tempo precioso para apresentar parte do perfil do personagem. Fotos de barbudos abraçados dominam a sala. Mais do que amistosas, são poses de intimidade. A cena seguinte é quase redundante: entramos no quarto e vemos dois homens na cama com Pedro (José Luis García Pérez), o dono do apartamento.
Essa apresentação é ligeira pois já amanhece e o conflito logo bate à porta. A irmã hippie, de viagem para a Índia, chega para deixar o filho Bernardo (David Castillo) sob a tutela do tio Pedro. A opção sexual dele - aberta entre amigos e escondida no consultório dentário em que trabalha - não parece incomodar ninguém, ainda que role uma discussão normal a quaisquer irmãos. O problema, mesmo, é que Bernardo não quer largar a mãe, e Pedro, que já mora sozinho para resguardar sua privacidade, não quer dividir o lar com o garoto.
Nenhum dos dois, porém, fala nada. Os primeiros dias juntos são curiosos. Bernardo brinca, diz que se lembra, de foto, de um namorado do tio. Os amigos deste sacaneiam: "o garoto tem pinta de ser gay". Pedro não gosta: "nessa idade não se sabe nada". A rotina segue normalmente quando, um dia, chega uma ligação da Índia. Presa com drogas, a mulher não deve voltar para casa tão cedo. Não demora para Pedro e Bernardo perceberem que formam agora uma nova família.
Desinteresse
Até aqui Filhote tem sido sucinto, à maneira dos retratos, esquemático até. Como os próprios personagens, estamos conhecendo-os. O filme começa a crescer quando, nesse meio velório, o co-roteirista e diretor Miguel Albaladejo (de Manolito gafotas) esquadrinha carinhosamente o mundo homossexual de Pedro que o ajuda nesse momento de perda e reconstrução. Um microcosmos dos barbudos de Madri que renega o preconceito recorrente, o da promiscuidade e do narcisismo, para mostrar laços tão fortes quanto os de uma relação heterossexual, fraternal e, por que não, paternal.
Essa união nasce sem ser verbalizada. Está implícita na breve mas emblemática cena em que tio e sobrinho dividem a cama, sem qualquer insinuação sexual, como pai e filho. E denota cumplicidade, na sequência final, com Bernardo já adolescente, despedindo-se dos amigos sem deixar claro se abraça com mais força o garoto ou a garota.
O defeito de Filhote, longe de ser um defeito pequeno, é que esse momento de aprofundamento é breve - e logo interrompido. Conflitos são reinseridos na trama, novamente, de forma sucinta, esquemática. Surge uma avó com a silhueta clássica da vilã impassível, na sombra do banco de trás de um carro, pronta para separar essa nova família que mal se formara. E tome chantagem emocional, reveses e reviravoltas.
Não seria um problema tão grande se esses embates se resolvessem a contento. Torna-se um problema, isso sim, na medida em que Albaladejo salta de um a outro rápido demais. Em termos técnicos: o tempo ficcional em Filhote se dilata de tal modo no tempo real que nunca um evento se fixa. É como se meses de trama transcorressem dentro de um minuto de película. Com isso, voltamos àquele artifício do começo do filme - agora multiplicado à exaustão. A narrativa transcorre com a superficialidade e o desinteresse com que se folheia um álbum de fotos.



