Rebecca Lenkiewicz diz que “não precisou dirigir muito” nas cenas íntimas entre Emma Mackey e Vicky Krieps que pontuam o seu filme Hot Milk, em cartaz nos cinemas brasileiros em lançamento conjunto da MUBI e da O2 Play. Conversando com o Omelete, a cineasta estreante (mas roteirista veterana do teatro e da tela grande) chegou a dizer que as duas atrizes “se apaixonaram de verdade” no set.
Em Hot Milk, Mackey vive Sofia, uma jovem que chega à costa da Espanha com a mãe, Rose (Fiona Shaw), mulher acometida por uma doença misteriosa, em busca de um tratamento inovador. É onde ela conhece Ingrid (Krieps), uma estranha que logo a enreda em uma teia de sexo, ciúmes e filosofia.
Inspirado no livro de Deborah Levy, Hot Milk se apoia muito nesse trio de atrizes principais - e é sobre elas que o Omelete conversou com Lenkiewicz, enquanto a diretora promovia o longa no Festival Internacional de Cinema de Guadalajara, no México. Confira a conversa completa a seguir!
OMELETE: Olá, Rebecca, sou o Caio do Omelete, no Brasil. Muito prazer em conhecê-la!
LENKIEWICZ: É ótimo conhecê-lo, Caio.
OMELETE: Você já escreve para teatro e cinema há alguns anos, mas escolheu Hot Milk como sua estreia na direção. O que fez desta a história que você queria contar como diretora? É uma história especial para você?
LENKIEWICZ: Eu não conhecia essa história. Fui convidada para adaptá-la por Christine Langan, a produtora de Hot Milk. Eu li [o livro original] e simplesmente me apaixonei pelos personagens e pela paisagem - então retornei a Christine e disse que escreveria o roteiro, mas apenas se eu pudesse dirigir. E já pensava em dirigir há muito tempo, porque eu queria ter uma jornada mais completa com um filme… sabe, escrevê-lo e depois fazê-lo. Me sinto frustrada há alguns anos, pensando que adoraria ter essa experiência colaborativa, porque escrever pode ser bastante solitário. E então, me pareceu perfeito que fosse este, porque pensei: ‘É uma história muito feminina, é complexa, é cheia de imagens interessantes’. Pareceu o momento certo.
OMELETE: Certo! Mas Hot Milk também depende muito da atriz escalada para fazer Sofia, certo? No livro temos aquela narração em primeira pessoa, e isso não pode ser replicado no cinema. Como você se decidiu por Emma Mackey para este papel? O que a tornou a sua Sofia?
LENKIEWICZ: Eu tinha assistido ao trabalho de Emma em Sex Education, e achei que ela estava incrível. Depois, assisti ao filme Emily, no qual ela estava incrível novamente. E eu sabia que a Sofia precisava ter uma vida interior que nós quiséssemos ler. O rosto de Emma é tão expressivo, sem nunca ser revelador demais, e ela tem essa intensidade maravilhosa. Nos encontramos para uma xícara de chá e, muito rapidamente, eu já estava dizendo a ela: ‘Sabe, eu adoraria que você fizesse isso’. E ela respondeu: ‘Eu também adoraria’.
Desde o primeiro dia no set, Emma foi simplesmente incrível. Sabe, ela está na maioria das cenas, e alguns dias fazia 45ºC naquela praia, mas foi um prazer absoluto trabalhar com ela. Não apenas porque ela é uma mulher maravilhosa, mas porque ela é minuciosa em sua abordagem a um papel - o que é muito importante quando filmamos fora de ordem. Ela tinha sempre o seu gráfico emocional em mãos, para saber o que Sofia estava sentindo, o que tinha acabado de acontecer. Foi impressionante, e eu fiquei muito feliz com o trabalho dela. Emma é a única Sofia na minha cabeça, a única pessoa que eu consigo ver ou imaginar nesse papel.
OMELETE: Bom, por outro lado temos Ingrid, uma figura muito elusiva no filme. Como você vê essa personagem, e porque Vicky Krieps se mostrou a escolha certa para interpretá-la?
LENKIEWICZ: Ingrid é um espírito livre, uma presença estranha. No livro, temos algumas passagens que são narradas de forma anônima, por uma personagem que não vemos, e Deborah Levy me disse: ‘Eu acho que é a Ingrid falando essas coisas’. Ela é uma observadora na praia, observando a Sofia.
Eu amo Vicky Krieps há muitos anos, como presença na tela. Simplesmente achei que a energia dela seria incrível para este personagem, porque Vicky é tão orgânica e instintiva em suas atuações. E foi incrível, porque ela simplesmente apareceu no set dizendo que sentia conhecer aquela personagem. Sabe, Vicky e Emma não se conheceram até o dia em que iam filmar sua primeira cena juntas, mas havia muita confiança entre elas, muito amor entre elas. Acho que algo nos meus instintos deve ter dito: ‘Essas duas serão ótimas juntas’.
Também sei que Emma estava muito interessada em fazer o filme porque Vicky estava nele - então, isso ajudou. [Risos]. E ambas estavam interessadas em fazer o filme porque queriam trabalhar com Fiona Shaw, então há um efeito dominó legal de como as pessoas querem fazer um filme por causa de outros atores brilhantes que estão nele
OMELETE: Eu quero falar com você sobre Fiona também, porque ela é a terceira peça do quebra-cabeças - e todos sabemos que ela é uma atriz formidável. Mas o que ela trouxe para Rose, que ressoou com você? Como ela foi capaz de completar sua visão para este filme?
LENKIEWICZ: Oh, ela é incrível. Nós conversamos muito sobre a Rose na casa de Fiona, e analisamos o roteiro para entender como ela era, quem ela é. No livro, ela é de Yorkshire [região no Norte da Inglaterra], mas eu simplesmente disse a Fiona, que é irlandesa: ‘Vamos manter o seu sotaque, porque ele é adorável de se ouvir’. A partir disso, mais tarde escrevemos um pouco da história pregressa de Rose, que se tornou muito importante para entender o trauma dela. E fizemos um trabalho corporal em Londres, com uma diretora de movimento chamada Vanessa Ewan, que conversou com Fiona sobre o que acontece com o seu corpo quando ele fica preso por um trauma.
Fiona é muito receptiva e instintiva como atriz. Ela ficou na cadeira de rodas o dia todo no set, sabe, nunca se levantou. Nós a levamos de cadeira de rodas para o camarim dela, para onde quer que fosse. Então, para a equipe, era quase como se Fiona realmente não pudesse andar, o que era importante para ela sentir o peso de sempre depender das outras pessoas, como Rose sempre depende de Sophia. Enfim, é simplesmente incrível trabalhar com Fiona, ela é maravilhosa.
OMELETE: Por fim, eu quero falar um pouco sobre o elemento da sexualidade e do desejo no filme, e como esse aspecto de nossas vidas está entrelaçado com todo o resto. Qual foi sua abordagem ao dirigir as cenas mais íntimas de Hot Milk, que papel você acha que a sexualidade desempenha nesta história?
LENKIEWICZ: Honestamente, também foi por isso que eu quis dirigir este filme. Eu não queria que fosse sobre garotas de biquíni, garotas gostosas andando na praia. Eu queria que fosse um olhar feminino. Na prática, isso significa coisas como eu dizer para Vicky: ‘Ah, você está usando uma camisola adorável nesta cena’, e ela responder: ‘Na verdade, eu só quero vestir um casaco grande e botas’. Então ótimo, é isso que ela deve vestir. São mulheres com sua própria sexualidade, expressando-a da maneira que acham melhor.
Com as cenas íntimas, eu dirigi o mínimo possível. Conversei com Emma e Vicky sobre o que ia acontecer, até que ponto elas estavam confortáveis com a intimidade, e deixei que acontecesse entre elas. Vicky e Emma são ótimas em deixar as coisas fluírem, e acho que elas se apaixonaram um pouco uma pela outra no set! Havia uma confiança e um amor ali, não havia preocupação. Foi simplesmente fascinante, e foi também uma alegria, vê-las se unirem e cuidarem uma da outra.
Ao mesmo tempo, Christopher Blauvelt, nosso diretor de fotografia, foi muito consciente no sentido de não se intrometer, em deixar espaço para elas. Acho que Emma e Vicky se sentiram muito seguras, e também sentiram um amor genuíno - quando você tem isso em cena, consegue perceber. Quando vejo essas sequências, ainda me sinto muito tocada, o que é incrível porque não houve uma mão pesada na direção. Foi ‘o que você quer fazer, como você quer fazer’.
É claro que isso não significa que não tenha sido difícil para elas. Às vezes está fazendo 45°C, você está trancada em uma cabana, e nada naquela situação inspira romantismo. É trabalho, e trabalho duro. Mas elas foram receptivas, resilientes e brilhantes, o que fez com que a intimidade fluísse. Achei tudo aquilo muito bonito, são corpos no espaço.
OMELETE: Que bela resposta. Obrigado, Rebecca, e parabéns pelo filme.
LENKIEWICZ: Obrigada, Caio! Foi adorável conversar com você.
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