Jullio Reis se conta entre os muitos fãs de Cazuza - O Tempo Não Pára, filme biográfico de 2004 estrelado por Daniel de Oliveira. Até por isso, o ator contou que não sentiu a necessidade de “se afastar” do trabalho de Oliveira ao assumir o papel do poeta em Homem com H, que aborda a vida de Ney Matogrosso - incluindo seu affair com o vocalista do Barão Vermelho.
“Para mim, não foi uma questão de não olhar [para o filme], não me enviesar. Foi uma questão de achar o Cazuza aqui também, em mim, e a partir do olhar do Ney”, comenta. Reis e Bruno Montaleone, que vive o médico Marco de Maria no longa, têm a missão de interpretar os dois grandes amores da vida de Ney (Jesuíta Barbosa) no longa de Esmir Filho, que já está em cartaz nos cinemas brasileiros.
Em conversa com o Omelete, os atores contaram os desafios e delícias desse projeto. Confira a seguir!
OMELETE: Oi gente, sou o Caio, prazer. Parabéns pelo filme, pelas atuações de vocês. A primeira coisa que eu queria perguntar é: qual era a relação de vocês com o artista Ney Matogrosso antes de serem chamados para o filme? Foi uma surpresa ler o roteiro e descobrir a história dele com o Cazuza e com o Marco de Maria?
REIS: A relação que eu tinha com Ney era puramente musical, desde o Secos & Molhados até um pouco da carreira solo dele. Confesso que não me aprofundava tanto nisso, mas o Secos & Molhados me marcou muito, de ter fases da minha vida em que eu escutava loucamente. A partir do momento que eu recebi o teste, acho que as coisas foram andando mais rápido, eu fui me aprofundando na história dele, ficando loucamente apaixonado pelo que é o Ney Matogrosso, pela trajetória dessa vida dele.
O Esmir [Filho, diretor e roteirista] nos dava livros, falava para onde direcionar nossa pesquisa, e a gente ia devorando as coisas que ele oferecia, tudo que ajudasse a entender o que era o Ney - e o Cazuza também, principalmente dentro da vida do Ney, como ele foi importante. Então a gente foi montando um quebra-cabeça aos poucos, e se apaixonando, quanto mais a gente descobria o que era essa pessoa.
MONTALEONE: É, pra mim também foi isso, eu conhecia mais a trajetória dos trabalhos do Ney. Mas poxa, pro teste a gente já tem que começar um trabalho de pesquisa, né? Eu fui descobrindo tanta coisa e, por fim, quando entrei em contato com a biografia dele, fiquei impressionado com o tanto de coisa que já aconteceu, sei lá, nos 20 primeiros anos da vida do Ney. É muita coisa, e muita coisa que o público talvez nem imagine. Fui esbarrando em acontecimentos históricos do país, e ficando mais curioso.
O Marco, mesmo, foi uma grande surpresa para mim. Acredito que para muita gente. E foi muito legal, muito gostoso ler um pouco sobre a história deles, e perceber que a gente ia contar em ainda mais detalhes no filme.
OMELETE: Bom, vocês dois interpretam talvez os grandes amores da vida do Ney. Como foi encenar essas relações? Vocês conversaram um com o outro pra ver os paralelos e as diferenças entre essas relações?
REIS: Olha, eu acho que nós dois também tivemos uma coisa nossa ali, né? [Referência à insinuação, feita pelo filme, de que Cazuza e Marco de Maria também tenham se relacionado sexualmente, com a anuência de Ney]
MONTALEONE: Exato, eu ia dizer o mesmo.
REIS: Não era só sobre entender como o Marco era com o Ney, e como o Cazuza era com o Ney. Acho que essas relações já estavam bem postas, a gente tinha isso muito claro, até por conta do Esmir, pelos ensaios e preparações… a gente já tinha o caminho para navegar. Inclusive, acho que estava tão transparente, tão claro, que não teve a necessidade de nos falarmos: ‘Não, mas o Marco é assim, o Cazuza é assim’.
MONTALEONE: Isso, cada um foi fazendo a sua identificação sozinho - e, quanto a gente se encontrou, foi mais uma soma, muito natural.
REIS: Acho que com o Cazuza existia essa paixão avassaladora, uma intensidade. Com o Marco, era um amor seguro, confortável, sem peso.
MONTALEONE: Eu gosto de como o Ney se divertia, também, com a ingenuidade do Marco. Por ele ser mais novo, o Ney ser mais experiente, e do nada aparecer um Cazuza no caminho, querendo entrar nessa história. O Ney claramente se divertiu com tudo isso.
Acho que a gente mostra a importância desses amores na trajetória dele - não só na vida pessoal, mas como eles afetam a música, a carreira do Ney. Ele chegou a fazer várias parcerias com o Cazuza, né? Foi legal ver como nossos personagens esbarram nessa história.
REIS: A forma como o Ney lida com o amor na vida dele vai mudando. Isso é bem bonito.
OMELETE: Jullio, o Cazuza já teve um filme biográfico dele[Cazuza: O Tempo Não Pára, de 2004], que é muito bem amado pelo público.
REIS: Maravilhoso!
OMELETE: Eu queria saber: você chegou a revisitar o trabalho do Daniel de Oliveira quando recebeu esse papel? Ou foi algo que você evitou de propósito?
REIS: Eu não evitei, não fiquei me prendendo no ‘não vou olhar’. Acho que é um filme que marcou tanto, e tantas pessoas, principalmente na minha geração. A imagem do Cazuza já se associava diretamente à imagem do Daniel como Cazuza. Foi um trabalho maravilhoso que ele fez, em todos os quesitos. Ele abraçou muito bem esse lugar, então acho que não foi uma questão de não olhar para não me enviesar. Foi uma questão de achar o Cazuza aqui também, em mim, e a partir do olhar do Ney.
Quem é o Cazuza do nosso filme? O que representava o Cazuza, para o Ney? Não é só o Cazuza num lugar muito autocentrado e narcisista, ele pra ele mesmo, mas o Cazuza pra fora, o Cazuza pro outro. E aí acho que rolam pontos interessantes - o lugar do afeto, do carinho, do cuidado com o outro. Acho que a gente explorou bem isso.
OMELETE: Bom, o Cazuza e o Marco chegam na segunda metade do filme e fazem parte de um arco muito importante que toca na epidemia da AIDS [ambos morreram em decorrência do HIV]. Foi difícil representar o desgaste físico, emocional da doença? Como essa temática pesou pra vocês no set?
MONTALEONE: Eu acho que, como atores, quando a gente se depara com essa situação em um personagem, vem de cara um pensamento de que isso vai ser extremamente pesado, difícil de se alcançar. Mas aqui a gente fez um um trabalho conjunto com o Esmir, que deu um baita suporte pra gente, para tornar isso de alguma forma mais leve, permitir que mostrássemos algo além da dificuldade.
Claro, como atores, a gente persegue aquele corpo adoecido. A gente leva isso a sério, queremos retratar a realidade daquilo o melhor possível. Mas vai muito além disso, são todas as questões que a doença envolve. Quando você é atravessado com uma notícia dessa, isso abala a sua relação, ou fortalece? Como é que você vai fazer pra cuidar dessa pessoa? Como é que você vai fazer pra vida continuar sendo interessante?
Acho que a gente toca em todas essas coisas que são reais, mas que não são muito registradas. Parece que, historicamente, a gente tem se prendido a falar sobre essa enfermidade como se ela acabasse com tudo em sua vida. E não é assim.
REIS: Sim, a gente procurou tratar esse tema com muito respeito, mas também não deixar ser só sobre isso, lembrar o tempo todo que existe um Marco com vontades, com desejos, com vida, com necessidades. E existe um Cazuza com desejo, com vontade de cantar, de fazer, de produzir. Cazuza gravou um disco inteiro já estando soropositivo.
É claro que para a gente, como atores, isso vinha muito da construção do corpo. O que era aquele corpo adoecido? A gente procurou se preparar, pesquisar sobre, mas entender também como aquilo afetaria a performance de alguém que vai cantar no palco, ao vivo. Como é a limitação de um corpo que sempre foi muito ativo? Se a gente vê o Cazuza no Barão Vermelho, ou nos primeiros solos, ele percorria todo o palco, gritava. Em ‘O Tempo Não Pára’, tem uma coisa mais serena, que também vem da direção do Ney. O corpo fala.
Pra gente, respeitar essa construção e essa caracterização foi muito importante. Está tudo ali na tela, a gente não precisa reafirmar nada.
OMELETE: Muito obrigado, gente. Parabéns pelo filme novamente!
REIS: Obrigado!
MONTALEONE: Obrigado, Caio!
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