Jesuíta Barbosa não vê o papel de Ney Matogrosso como sorte - para ele, é destino. Em entrevista ao Omelete, o astro de Homem com H falou que se espelha no gigante da MPB na hora de realizar escolhas de carreira importantes. “[Ele sempre] teve muita coragem de assumir compromissos, respeitar a si mesmo. E eu acho que eu fiz isso, de alguma forma, tenho feito na minha vida e na minha carreira”, comentou.
Na conversa abaixo, o ator e o diretor Esmir Filho abrem o coração sobre os temas mais importantes de Homem com H - que, inclusive, já está em cartaz nos cinemas brasileiros -, a preparação física para encarnar Ney nas telas, a construção cuidadosa de cada performance musical que vemos no longa, e muito mais. Confira a seguir!
OMELETE: Olá, gente, muito prazer, sou o Caio. Primeiramente, parabéns pelo filme - e Esmir, eu preciso começar essa entrevista falando que sou um grande fã do seu trabalho desde o curta do Alguma Coisa Assim. Foi um filme muito importante para mim, na adolescência, como homem LGBTQIAPN+.
Por isso queria te perguntar: como você vê o Homem com H dentro da sua filmografia? Como ele se encontra com os temas que você gosta de colocar na tela, as sensações que você gosta de evocar?
FILHO: Nossa, eu acho que ele vai de encontro. Quando eu recebi o convite da Paris Filmes para fazer a vida e obra de Ney Matogrosso, falei: ‘Nossa, pode vir, porque tem tudo a ver com o que eu gosto de falar no audiovisual’. Eu gosto de falar sobre expressão, sobre pulsão, desejo, relações afetivas, pais e filhos, que é um tema que me é muito caro, descoberta de sexualidade. Nesse sentido, foi um presente. Acho que o Homem com H vem traduzir muitas dessas coisas, e é por isso que eu me relaciono tanto com a história do Ney, que ela já conversava com o meu íntimo em algum lugar.
O Ney tem a história dele, a trajetória dele, mas [o filme] tem alguma coisa também que vem da minha própria vivência, minha experiência, e parece que a gente se encontrou para fazer esse filme. É o mesmo encontro que eu tive com Jesuíta nesse sentido, de tantas experiências que a gente trocou, o quanto a gente refletiu sobre o Homem com H. É um nome que tem um peso, né? Mas é muito bonito o que o Ney faz com ele, porque ele subverte, ele canta, ele debocha. Ele vem dizer eu sou homem sim, sou homem com H e com H sou muito homem - sou assim e faço assim.
OMELETE: Incrível. Bom, Jesuíta, você também tem um histórico de escolher papéis que são bem representativos - como você vê o Ney nessa trajetória, é uma culminação? O que ele significa para você nessa dimensão da representatividade?
BARBOSA: Não, eu não vejo como culminação. Eu vejo como um resultado, onde eu cheguei através de uma possibilidade de pensamento. Porque nada é por acaso, não existe essa coisa de sorte. O Ney, por exemplo, é essa figura emblemática, icônica, porque teve muita coragem de assumir compromissos, respeitar a si mesmo. E eu acho que eu fiz isso de alguma forma, tenho feito isso na minha vida, na minha curta carreira - tem uns 10 anos que eu faço cinema -, e acho que tenho o Ney como referência nesse sentido.
OMELETE: Bom, me parece que o Ney é um papel muito exigente, principalmente no sentido físico - as performances, a forma como ele se comporta no dia a dia, que é bem diferente da sua. Você sentiu o peso físico desse papel? E como foi sua preparação nesse sentido?
BARBOSA: Eu senti um cansaço, sim, porque a gente trabalhou muito. A gente trabalhou dança, voz, teatro… o Esmir sempre junto coordenando isso. Existia, com certeza, um cansaço. Principalmente porque, nesse filme, a gente começou gravando todos os shows, as performances, uma seguida da outra. E isso foi muito cansativo, mas ao mesmo tempo foi o que me deu espaço depois para um descanso, para trabalhar cenas mais íntimas, mais intimistas. Mas não foi tarefa fácil, não, mas ninguém disse que ia ser fácil, nem tem que ser fácil também. É trabalhoso fazer cinema, mas é muito prazeroso ao mesmo tempo. Existe prazer na dificuldade.
OMELETE: Esmir, nesse filme você trabalha com o Azul Serra, que é seu parceiro de fotografia há um tempão. Queria falar especificamente das cenas de performance, de show, porque eu acho que em muitas biografias musicais esses momentos são filmados de uma forma bem trivial - e aqui não, é bem teatral mesmo, bem impactante. Como você trabalhou com o Azul nesse sentido?
FILHO: Olha, cada show a gente pensou de maneira diferente a câmera, porque o Ney vai se descobrindo em cada personagem que ele representa no palco. Então, por exemplo, no “Homem de Neanderthal”, ele era aquele bicho, afrontoso com o público. Fizemos uma câmera rasteira, que vai com ele pelo chão, desfoca e foca, acha, perde, reencontra. Já no “Bandido Corazón”, é o erotismo. Muito quadril, muito foco no corpo, a câmera tá mais solta. Tem uma elegância em “O Mundo é um Moinho” enquanto em “Homem com H” eu brinco que é nosso Chicago, nosso “All That Jazz”, algo meio forró jazz pop. Então, cada show foi pensado para a gente poder viver aquele personagem junto com o Ney.
E também a relação dele com a plateia, né? Agora que você falou isso, teve uma construção muito interessante com os figurantes, porque é diferente a plateia do Secos & Molhados, que está lá numa loucura conhecendo aquela banda, e depois a plateia que tá absorta vendo o “Homem de Neanderthal”. Em “Bandido”, surge o grito de “gostoso” pro Ney, que até hoje todo mundo faz. Mas cada plateia é diferente. Acho que a relação do Ney com a plateia dá vida também a essas cenas, para elas não ficarem sempre iguais, com os figurantes ali aplaudindo. Não é isso, a gente trabalhou um pouco o arco da plateia também.
OMELETE: Muito legal! Bom, a gente também sabe que o Homem com H teve um grande investimento em termos monetários [segundo a produtora, o longa custou quase R$ 18 milhões, cifra que o coloca entre os filmes brasileiros mais caros da história]. Como vocês veem esse filme dentro do momento que a gente está vivendo no cinema nacional? Ele mostra que a gente é capaz de algo novo, talvez?
FILHO: Olha, se encaixar nunca foi algo que o Ney fez, que ele gostou de fazer. Eu espero que esse filme encontre o seu caminho. Entendo que foi uma produção que teve muito cuidado, que teve investimento pessoal dos produtores para poder terminar - então, existe uma confiança no processo. Mas também foi muito genuíno, porque a gente fez com muito coração. Eu espero que chegue ao público, que eles se abram para essa história do Ney Matogrosso. Quem gosta do Ney do palco, experimente o que é o Ney da intimidade. E quem conhece o Ney do palco, mas ainda não sabe da história dele, saiba que é uma história linda, que tem muitos aprendizados e muita emoção. É um filme sobre a sensualidade, sobre vibração, sobre show, mas também tem momentos íntimos muito emocionantes.
OMELETE:Perfeito, gente. Obrigado e parabéns pelo filme novamente!
BARBOSA: Obrigado, Caio.
FILHO: Obrigado!
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