Luís Miranda não nega que suas inspirações para interpretar o emblemático líder político Zé Bebelo em Grande Sertão foram muito diversas: o trabalho de Denzel Washington em grandes filmes políticos como Malcolm X, por exemplo, foi um ponto de partida; vídeos históricos de Adolf Hitler foram outro; e a história recente do Brasil, especialmente no governo Jair Bolsonaro, também deu algumas deixas.
“Existe a construção do militarismo, e o militarismo é algo que vivemos recentemente no Brasil - em um período escroto que eu não quero nem me aprofundar, do governo passado, onde a presença do militar era muito latente na política”, comentou ele em entrevista ao Omelete. “Aí eu fui pesquisar Hitler, vários outros ditadores, né? Tem uma parte deles ali, mas acho também que nós desconstruímos esse arquétipo, introduzimos uma dualidade”.
- [Entrevista] Diadorim de Grande Sertão é "quase um homem gay", diz Luisa Arraes
- [Entrevista] Arraes: Cinema brasileiro “tem que se reinventar, não voltar aos velhos tempos”
Miranda fala especificamente dos paralelos que o filme de Guel Arraes faz entre Zé Bebelo e Joca Ramiro, personagem de Rodrigo Lombardi. Apesar de ser líder do grupo de bandidos que Bebelo tenta combater por boa parte do filme, Joca “também é um defensor da ética e de uma moral específica”, segundo o ator, elemento refletido principalmente na revolta que ambos demonstram quando uma criança é morta por uma bala perdida durante o conflito entre as facções.
“O Guel nunca quer que as coisas sejam unilaterais”, apontou Miranda. “Tanto que ele vivia me dizendo no set que o Zé na verdade era um fanfarrão, um cara engraçado - e eu respondia: ‘Pô, Guel, eu só faço personagem engraçado! Agora que peguei um sério, você quer que eu faça graça?’. Mas o ponto é que o personagem é uma colcha de retalhos que a gente constrói com vários instrumentos diferentes”.
- [Entrevista] Caio Blat confessa: “Tinha pesadelos com Selton Mello fazendo Riobaldo”
- [Crítica] Grande Sertão procura o popular por tortuoso caminho literal
Essa composição multifacetada também foi destacada por Eduardo Sterblitch, que impressiona em Grande Sertão ao fugir de seus personagens normalmente cômicos e encarnar a “maldade pura” do terrível Hermógenes. O ator admitiu ao Omelete que hesitou diante do convite para interpretar o principal vilão da trama clássica de Guimarães Rosa, mas que os primeiros ensaios lhe deram mais tranquilidade.
“O que eu gosto é de compor personagem, esse é o meu tesão - se eu faço isso bem ou mal é outra história. E eu sou de teatro, então é onde eu me sinto mais confortável”, explicou. “Quando vem um convite como esse de Grande Sertão, me assusta, tanto pelo personagem quanto pela força do nome do Guel... mas daí eu chego e percebo que é uma coisa mais para fora, mais teatral, e isso me deixa mais tranquilo, mais à vontade”.
“No fim das contas, o Guel é um cara que nos dá muita liberdade de criar o personagem com ele, ler o texto e passar por todos os erros que vão acontecer”, completou. “Lembro da primeira leitura, em que todo mundo chegou muito nervoso - até o Caio [Blat, o Riobaldo do filme], que já sabia o que estava fazendo por causa da peça! E daí nós fomos resolvendo as coisas, nos dedicando, e acho que por isso deu certo”.
Grande Sertão já está em cartaz nos cinemas brasileiros.