Festival de Berlim | Joaquin Phoenix destrata a imprensa ao promover novo filme de Gus Van Sant
Baseado na vida do cartunista John Callahan, Don’t Worry, He Won’t Get Far On Foot foi o mais aplaudido dos concorrentes ao Urso de Ouro até agora
Já virou folclore nos festivais de cinema o desprezo que Joaquin Phoenix tem por dar entrevistas e falar sobre sua arte – existe até um falso documentário brincando com isso, Eu Ainda Estou Aqui (2010). Mas nesta terça-feira, na Berlinale, ele exagerou e chegou com o ovo virado além da conta na coletiva de imprensa do drama Don’t Worry, He Won’t Get Far On Foot. Ao virar as costas para os jornalistas, num gesto de enfado, ele constrangeu até seu diretor, Gus Van Sant, cujo novo trabalho ganhou os aplausos mais calorosos (e duradouros) da disputa pelo Urso de Ouro de 2018 até aqui. Baseado nas tragédias pessoais do cartunista paraplégico John Callahan (1951-2010), o longa-metragem, com fortes tintas de autoajuda, já chegou à capital alemã precedido por elogios conquistados em Sundance, em janeiro.
“Nem sei por que estou tão incomodado, mas eu odeio festivais, tento ao máximo evitar perguntas. Tem sempre uma pergunta esperta de festival, tipo ‘Qual é o papel do silêncio na sua forma de atuar?’ E, dizendo isso, eu não estou sacaneando você, mas a mim mesmo. Não sei se eu peso na importância do silêncio quando atuo. Talvez eu leve essa reflexão para um próximo trabalho”, remungou Phoenix ao Omelete, redimindo-se de sua rabujice ao final da conferência, aceitando autografar fotos e cadernos de jornalistas europeus e africanos.
Em Cannes, em 2017, onde foi premiado por You Were Never Really Here, ele estava mais doce, disposto a falar com humor sobre tudo. Mas em Berlim... era só patada, até para avaliar seu reencontro com Van Sant, que revelou o talento do ator em 1995, em Um Sonho Distante. “Como é reencontrar Gus? É bom”, disse Phoenix, seco a um nível que levou o mediador da entrevista a pular perguntas que o astro esnobava com um olhar blasé. Mas tudo indica que ele pode ganhar o Urso de Prata de melhor ator. Não há trabalho de protagonista à altura do seu entre os filmes exibidos na competição germânica até aqui.
Seu maior rival está no próprio Don’t Worry, He Won’t Get Far On Foot, porém como coadjuvante: Jonah Hill. Ao ouvir o nome do colega, Joaquin abriu um raro sorriso. Não houve coração na Berlinale que não balançasse diante do desempenho do comediante consagrado por SuperBad (2007), aqui atacando na seara do drama. Indicado ao Oscar duas vezes, por O Homem Que Mudou o Jogo, em 2012, e por O Lobo de Wall Street, em 2014, Hill regressa à telona mais magro, no papel de um ex-alcoólatra soropositivo, que comanda um grupo de recuperação para dependentes de bebida.
“A bebida é o ponto fraco de Callahan ao longo de sua vida”, definou Phoenix numa das poucas vezes em que se soltou no papo com repórteres de diferentes países.
Entre eles estava o mais aclamado crítico de cinema da Europa, Michel Ciment, que, num papo de corredor com o Omelete, cravou: “Periga ser o melhor filme de Gus Van Sant em anos”, disse ele, frisando o fato de que o último longa do cineasta, Mar de Árvores, foi vaiado em Cannes em 2015 e sequer teve lançamento nos cinemas brasileiros, indo diretamente para DVD. Don’t Worry, He Won’t Get Far On Foot não foi acolhido com unanimidade, pois muitos cobram do cineasta a volta da veia experimental a partir da qual ele emplacou cults como Elefante (Palma de Ouro na Croisette, em 2003) e Paranoid Park (2007). Porém, ninguém duvida da força poética de seu mais recente trabalho, nem da excelência de Phoenix, apesar das grosserias.
Esta terça será um dia dedicado à cultura pop na Berlinale. À tarde, serão exibidos no Zoo Palast trechos de seriados da TV Globo, entre eles Carcereiros e Os Experientes em uma ação do festival para se aproximar da produção internacional de teledramaturgia. Um episódio inteiro de Vade Retro, com Tony Ramos, será projetado nas telonas alemãs, com a presença de seu diretor, Mauro Mendonça Filho.
À noite, outro cineasta americano toma a ribalta pra si, revezando os holofotes com Van Sant: Steven Soderbergh apresenta em sessão hors-concours o terror Unsane, com Claire Foy presa num sanatório. Na briga pelo Urso dourado, nesta terça, teremos só mais um filme: o iraniano Pig, de Mani Haghighi, sobre as loucuras em um set de cinema.
Entre todos os competidores apresentados até agora, registra-se, além do sucesso de Don’t Worry, He Won’t Get Far On Foot, uma fortíssima torcida organizada em torno do paraguaio Las Herederas (feito em coprodução com o Brasil), do italiano Figlia Mia e do norueguês U-July 22, cuja narrativa evoca a estética dos videogames de tiro ao recriar um atentado num camping escandinavo. O Festival de Berlim termina neste sábado.