Exclusivo - Omelete Entrevista Zack Snyder, o diretor de 300
Uma longa conversa com o cineasta da adaptação da HQ de Frank Miller
Zack Snyder é uma das pessoas mais empolgadas que já entrevistei. Nas três ocasiões em que conversamos - a primeira em Montreal (12/2005), a segunda em Los Angeles (02/2007) e a terceira no Rio de Janeiro (03/2007) - ele falou incansavelmente de 300, em todas com a mesma paixão e alegria. Atlético e com enormes tatuagens cobrindo os braços (uma delas em homenagem à esposa e produtora executiva do filme, Deborah Snyder), o cineasta dá longas respostas, muitas vezes desviando-se da pergunta original e perdendo-se em monólogos divertidos sobre o cinema, honra e quadrinhos, entre outros assuntos. A longa entrevista que você lê abaixo foi extraída das três conversas. Divirta-se.
Rápido e rasteiro... Sin City acendeu mesmo o estopim para 300?
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Olha, na verdade a Warner Bros. nos enxergava mesmo como outro épico no começo. Pelo menos a impressão inicial era essa. Mas aí eles nos questionaram... "por que fazer este se já temos tantos épicos gregos de sandália e espadas"? Aí tivemos que explicar, "bom, não tem nada a ver. É algo muito diferente e a hora de fazê-lo é agora".
E o que é esse diferencial?
É a maneira como o encaramos. Não tem nada daquele papo de "quando você assistir a este filme será como se entrasse numa máquina do tempo e fosse arremessado à Grécia antiga". É um ponto-de-vista. Como temos um narrador contando a sua visão da história dos 300, tudo o que temos no filme é visto através dos olhos dele. Então não há espaço para aqueles caras que vivem resmungando "os Imortais persas não eram assim! eles tinha barbas vincadas..." e coisas do tipo. Nosso filme é uma interpretação, e uma muito bacana.
Qual é a diferença, você acredita, de se fazer um filme de super-heróis tradicional e uma adaptação como 300?
Pra começar, a censura. Antes de mais nada tive que sentar com o estúdio e dizer "olha caras, esse é um filme pesado. Teremos violência nele e sexo. Basicamente é gente se matando durante duas horas. O que vocês acham?". Felizmente, eles disseram "OK, não é Superman então", porque geralmente quando você chega com uma graphic novel todo mundo já vai achando "ei, legal, um filme pra molecada". Hahahahahaha. Tive que explicar isso várias vezes porque pra mim um filme é uma coisa espinhuda e o estúdio sempre tenta limar todas as pontas... mas esse é o trabalho deles, fazer com que qualquer pessoa possa segurá-lo, como se fosse um gatinho fofinho e peludo. Já eu quero é que as mãos sangrem quando você segura a coisa espinhuda - e é justamente o que os fãs do gênero e da HQ também querem! Eu fiz o filme para os fãs, não para pessoas normais como você...
Cara, eu não sou normal. Sou fã de quadrinhos.
Ahahahahahahahahaha. Então desculpe ter usado você como exemplo. Mas você entendeu minha opinião, né? Primeiro os fãs, depois as outras pessoas, que podem até vir a entender porque os fãs gostam tanto daquele material, se feito com cuidado.
E dá pra comparar o trabalho neste com o Madrugada nos mortos?
Acho que a principal diferença é que este é um filme de design, cheio de estilo. O Madrugada era o contrário. Não havia dinheiro, não havia tempo. Era tudo voltado ao rudimentar. Ninguém queria caprichar demais, se empolgar demais, e fazer um filme que fosse a versão do Michael Bay de Amanhecer dos mortos.
Esse é um erro que muitos cineastas que, como você, começam na publicidade cometem...
Com certeza! E o estúdio brigou comigo por causa disso lá pela metade das filmagens. Em determinado momento me perguntaram "cadê as cenas estilosas? você não era um cara desses? cadê as pombas?".
E há a questão da expectativa. Em Madrugada dos mortos era a menor possível. Um cara de comerciais refilmando um dos maiores clássicos de terror de todos os tempos. Este, por outro lado, teve uma das mais altas expectativas - é uma HQ conceituada, por um criador top...
É, Frank tem um pedigree gigantesco e Sin City foi muito legal, especialmente ao conseguir levar o mundo dele às telonas. Isso só aumentou nosso desafio. Mas, pessoalmente, gosto muito mais de 300, da estética. É minha coisa preferida na graphic novel e ninguém aqui refreou idéias para retratá-la da forma mais maluca possível, mesmo que isso não seja necessarimente o que as pessoas esperam de um filme. Quando a Warner Bros entendeu que era essa nossa idéia, deu o sinal verde. Mas, sim, houve muita expectativa e tentamos não ferrar com tudo. Mas era difícil que isso acontecesse porque os diálogos e visual são quase adaptações literais da HQ. Já na época de Madrugada dos mortos eu tinha outra motivação. Ficava puto com os comentários "esse filme vai ser uma bosta" e dava o máximo para que não fosse. Ahahahaha.
Foi difícil combinar o visual e narrativa dos quadrinhos com o do cinema?
Não foi tão difícil quanto parece, mas isso é porque tive uma equipe extremamente dedicada de profissionais trabalhando nele. Eles entenderam claramente o que eu queria não apenas em termos de resultado, mas também em relação ao processo. No mundo publicitário eu trabalho como diretor e cameraman e emprego muitos efeitos especiais então eu sei basicamente como trabalhar tecnicamente. Não é um mistério. Outra coisa importante é que minha equipe antes de mais nada queria muito obter o visual bacana das HQs. Estavam interessadíssimos em fazer esse filme dar certo.
Além da HQ, você fez outro tipo de pesquisa para o filme?
Ei li vários livros sobre o tema, fiz muita pesquisa e entendi a história verdadeira de Esparta, mas... sério... não é o que queremos. A propósito, quando se conhece a fundo a verdadeira história, fica claro o trabalho sensacional que Frank fez, espremendo dos fatos a graphic novel. É fascinante. Todos os principais momentos realmente aconteceram, Ephialtes, os Imortais, Xerxes, a Carnéia... tudo isso é o que realmente aconteceu. Também assisti ao filme Os 300 de Esparta e gosto bastante dele, se o que você procura é diversão para o domingo, é divertido.
Quando você conheceu 300?
Há muito, muito tempo... tenho essa pilha de quadrinhos... bom, serei honesto com vocês. Não é uma pilha. É tudo bem arrumadinho. Falo que é uma pilha pra parecer mais cool... bom, tenho esses gibis e 300 estava lá no meio, esperando.
Houve grande colaboração de Frank Miller no filme?
Eu mandei o roteiro pra ele junto com umas imagens, mas não tivemos grande interação além disso.
Bom, você criou novos personagens...
Sim, e ele conheceu todos antes e foi muito elegante em relação a isso. Realmente achamos que precisávamos de algo além de uns caras fortões correndo por aí... então colocamos uns biquinis de couro também. Ehehehehe. Mas sinceramente, valeu a pena. O trabalho com Lena Headey foi ótimo e Gorgo ficou real. Frank usou ela um pouquinho na HQ, mas expandimos daí, com um pouco mais a fazer. O resultado me deu enorme satisfação e amarra tudo muito bem.
O filme, como o quadrinho, tem bastante narração...
Quase todo ele é narrado. David Wenham aparece falando e em of, contando a história. É engraçado porque quando entreguei o roteiro várias pessoas vieram me dizer "sabe que não se usa narração em filme? é roteiro básico..." e eu "e daí?, você leu o gibi?". Acho uma das coisas mais legais do filme a voz dele empolgada, contando os fatos, quase como se fosse uma música.
Fale-nos um pouco sobre a cena que vimos ser filmada, dos Espartanos contra Imortais.
Refizemos ela algumas vezes porque eu gosto de rodar cenas de ação mais longas, que geralmente são mais difíceis, e também mais amplas. Isso requer uma coreografia perfeita. Se um cara erra seu movimento ou diálogo, a cena desmorona. E parecíamos uma equipe de pit-stop quando a cena termina. Entrava gente de todo lado pra desentortar espadas, pintar escudos, retocar maquiagem... então é isso... sempre buscamos a cena mais limpa possível.
E a cena da orgia? É limpa também?
Ahahahaha, é uma piração nossa em cima da cena da tenda de Xerxes na HQ, com aquelas dançarinas se esfregando em Ephialtes. E devo dizer que foi também um alívio fazê-la depois de ver tantos abdomens tanquinho dos espartanos. AHAHAHA.
E foi difícil encontrar um cara com cabeça de bode para a cena? Ahaha
AHAHAHAHA. Outra loucura nossa! Pareceu uma ótima idéia ter um cara com cabeça de bode em algum lugar naquele set!
Falando em set, houve em algum momento interesse em filmar em locações de verdade?
Locações de verdade não... mas houve interesse em fazer uma versão tipo Ladrão de sonhos (City of lost children, 1995) do filme, uma em que todos os sets fossem construídos de verdade em estúdio, mas gigantes, com perspectiva forçada nos fundos e coisas como essa. Mas isso foi há cinco anos. A tecnologia de computação gráfica avançou muito desde então e em determinado momento dissemos "pro inferno com isso, vamos de tela azul". E aí fizemos aquele teste que mostramos para a Warner Bros, com uns dublês se enfrentando. Além de mostrar o visual ele também dava uma idéia da atitude do filme, a selvageria, o estilo que permite que ele seja diferente dos outros épicos e mais divertido. E todos gostamos do resultado dele, então aqui estamos.
Comente um pouco seu estilo de filmagem nas cenas de batalhas, com aquelas câmeras lentas e aceleradas.
A idéia ali foi mostrar a ação como os espartanos a viam. A acelerada é como se vista de fora, a em câmera lenta, como os espartanos a percebiam. E também porque o resultado é bacana demais. Já a paleta de cores é 90% extraída da obra de Frank. Eu queria que o filme inteiro tivesse uma sensação de experiência surreal, original, algo que é muito difícil de conseguir. Eu amo filmes então estou sempre buscando formas de fazer com que as pessoas deixem suas enormes TVs digitais em casa e vão até o cinema para ter uma experiência cinematográfica de verdade. O que tem no cinema que não dá pra ter em casa? A resposta é algo como 300, que é um filme, claro, mas também uma experiência, um passeio divertido.
E aquela história do seu tatuador trabalhar no filme? O que ele fez?
Ah, o Adam tatuou alguns personagens. Ele fez os anões arqueiros. Ehehehe, acho que você não sabe deles, né? Bom, tem toda uma parte lá pela metade da graphic novel que expandimos, a preparação para o dia 3 de batalha, na qual aparecem rinocerontes, elefantes, gigantes sem braços... os anões arqueiros vão montados nesses gigantes. É monte de aberrações! E todas são bem tatuadas. Chamamos esses caras de Circo da Morte. [nota: essa cena só aparecerá no DVD do filme]
Robert Rodriguez foi bastante específico com o sangue de Sin City. Ele é bem gráfico e aparece até em outras cores. Como você lidou com o sangue no filme?
Ele é quase todo digital. Quase todo. Alguns golpes exigem jatos de sangue muito bem definidos e precisos, algo que só dá pra fazer e controlar com computação gráfica. O sangue é parte da estética.
Isso torna a violência mais estilizada?
Mais surrealista, eu acho. A violência no filme é surrealista. Fiz isso de propósito porque é como Frank a encara. Quanto mais surrealista for a violência, mais violência dá pra usar. Não ficamos preocupados em mostrar desmembramentos anatomicamente precisos, mas sim equilibrar as cenas com elementos harmônicos, sejam eles sangue, membros e o que for. Essa é a nossa estética.
E o recurso também permitia que, caso a MPAA pedisse menos sangue, você poderia voltar e tirar um pouco...
Não aconteceu. Tive problema com isso em Madrugada dos mortos, mas se acontecesse, estaríamos preparados. Mas nada de entrar na onda de baixar censura pra pegar mais público. Nada de censura 13 anos, que é uma praga. Hollywood é fogo. Você chega com uma idéia de assassino serial, os estúdios gostam e começam a pedir "será que dava pra falar de assassinato sem mostrar mortes? e sem sangue?". Quando você vai ver, fez um filme pra crianças. 300, como Kill Bill, Sin City, não é um filme pra crianças. Os executivos têm essa mania de mastigar tudo bem mastigadinho até o filme virar uma bolinha macia e adorável, apta para todas as idades e fácil de vender.
No final, quem acabou reclamando foi o governo do Irã, que queixou-se de como os persas são retratados.
Eu ouvi falar disso. Não foi nossa intenção fazer um filme que insultasse qualquer cultura ou pessoa. Eu queria, na verdade, o oposto. Peço desculpas a eles se realmente se sentiram ofendidos. Fizemos o filme fantástico de propósito, justamente para evitar essas comparações, para que as pessoas entendessem que há um fundo histórico, mas é mesmo um filme de fantasia. Pra mim, o filme é a história em quadrinhos, não a História. Eu pesquisei, sei como Xerxes era de verdade, como os Imortais eram de verdade e como os Espartanos eram - e são todos diferentes do filme - então a questão é, se tivéssemos seguido a risca a História, visualmente e factualmente, aí sim teríamos feito um filme político. E isso é perigoso, é tipo um A Paixão de Cristo, porque as pessoas saem do cinema pensando "isso foi real, não preciso estudar História, vi o filme, sei o que aconteceu", mas eu apostei na fantasia, deixei ele bem distante da realidade, achei que estivéssemos longe desse tipo de polêmica. Mas espero que as pessoas então se interessem pela História e vão ler livros a respeito. Aí elas descobrirão o papel fundamental que Xerxes teve na cultura mundial e seu avanço. Além disso, se essa polêmica toda fizer com que as pessoas conversem sobre os conflitos que estão acontecendo hoje - já me perguntaram se George W. Bush é Xerxes ou Leônidas - isso será um aspecto muito positivo que eu não esperava da produção. Espero que o filme reverta também o aspecto negativo que a palavra "liberdade" tem hoje. Essas guerras todas travadas supostamente em nome da "liberdade" deturparam a palavra e fazem parecer que ela não é uma coisa boa - o que é um absurdo.
Sim, e George W. Bush não tem nada de Leônidas!
Nada! Enfim, minha intenção foi fazer uma ópera. Na minha cabeça é muito mais uma ópera que um épico desses que tem a intenção de "voltar no tempo", como Alexandre, mostrar como todos eram gays e tal... se bem que vão falar que o meu filme é gay mesmo assim. Hahahahahaha. Minha intenção é mostrar a mitologia. E veja só... a mitologia a partir dos olhos de um espartano. Delios, o narrador, era espartano e nem estava lá no final pra saber o que houve. Ele inventa tudo aquilo, aumenta as coisas. Então só segui isso - aumentei a farsa!
Na sua ótica então, Xerxes nem é o vilão da história.
Nem um pouco. Ele é um cara fantasticamente razoável. Tenta argumentar o tempo todo com Leônidas, tenta chegar a um acordo, não quer brigar e nunca ofende o espartano. Pelo contrário, oferece cargos a ele, diz que adora a cultura, etc. Enquanto isso, Leônidas é um bruto, "foda-se seu fodido, eu vou matar você, porra", é um doido. Até no finzinho Xerxes ainda tenta ignorar as perdas e ficar amigo de Leônidas. E nada... ele quer é morrer. E isso de certa forma lembra os próprios espectadores que eles não são espartanos. Aqueles caras não são os mocinhos a serem seguidos. Você não quer morrer, você não quer atirar bebês de penhascos...
E por que Rodrigo Santoro para o papel?
Se Yul Brynner fosse vivo seria ele o contratado, mas como não está, precisei encontrar outro ator para o Xerxes. Aí apareceu o Rodrigo, que foi uma aposta pra mim, mas que tem duas qualidades que surgem imediatamente: ele é lindo, mas também pensativo, contemplativo. E era justamente isso o que eu buscava. Sem falar que ele tem uma habilidade de tornar-se furioso, como se ligasse uma chave, e isso é assutador. O legal de Xerxes é que ele não é necessariamente o cara mau do filme. Pra mim ele é tipo o Darth Vader. É impossível odiar o cara. Ele é fantástico. Ok, ele quer matar Leônidas e seus soldados, mas é só porque a Grécia é algo que ele deveria ter. Não é pessoal. "Eu sou o dono do mundo, desculpem... mas vocês estão no meu terreno". E olha só as ofertas que ele faz. "Olha caras, não precisamos lutar, isso é errado. Ajoelhe-se um pouquinho e pronto, seremos amigos", mas Leônidas não consegue fazer isso. Ele não sabe o que é submeter-se. Nem no final, quando ele engana todo mundo...
Uma dúvida recorrente no Brasil é: por que alterar a voz de Rodrigo Santoro? É dublado ou alterado digitalmente?
É alterado digitalmente. Mudamos porque, como transformamos ele num gigante de 2,5 metros, a voz normal do Rodrigo ficava estranha no personagem. As pessoas são do tamanho de suas vozes, as cordas vocais são maiores, etc. Então a escala teve que ser ajustada não só fisicamente, mas vocalmente. Outra voz que mudamos foi a de David Wenham, o narrador, que ficou mais dramático.
Agora que o filme finalmente chegou aos cinemas, você esperava essa reação, essa bilheteria?
Honestamente, não. Eu fiz o filme para um público bastante específico. Não para as massas. Mas é ótimo que as massas tenham gostado. Fiz o filme para os fãs dos quadrinhos.
E nós agradecemos.
Ahaha, essa é minha estética. Meu interesse. Até os dilemas morais que me agradam estão todos lá. Fizemos o filme com pouco dinheiro, sem astros, com censura alta, tudo o que levaria analistas a pensarem que o filme faria pouco dinheiro. Eu achava que o filme faria um sucesso modesto, tipo Madrugada dos Mortos, 60 milhões no total. Isso já seria ótimo. Mas 70 milhões em só um final de semana... não sonhava.