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DVD: Box Pedro Almodóvar

DVD: Box Pedro Almodóvar

A&
01.10.2003, às 00H00.
Atualizada em 26.11.2016, ÀS 06H09
BOX Pedro Almodóvar

Na recém-lançada caixa de alguns filmes de Pedro Almodóvar, estão os representantes de uma obra em que o sentido essencial é a revolução dos costumes via sexo.

Almodóvar nunca escondeu sua condição homossexual. Seus filmes sempre contiveram alusão à homossexualidade. Mas não é esta sua bandeira.

O mais antigo exemplar da caixa é Mulheres à beira de um ataque de nervos, de 1988. Na época do lançamento do filme, a crítica adiantou-se para avisar que se tratava de um filme feminista. Não é. Mulheres é feminino, mas não prega o direito de mulheres a nada. O filme é um desfile de mulheres caricaturais em uma explosão de cores. O exagero é uma das marcas de Almodóvar, que sempre consegue transformá-lo em afeto, especialmente entre espectador e personagem.

Outro forte traço de Almodóvar é nos convencer de que algo aparentemente imoral e até criminoso pode se transformar em elemento harmonioso. Em Ata-me, o diretor ensaia o que se vê em Fale com ela: como uma violência pode ser entendida como um ato de amor.

Em toda a obra do diretor, especialmente em seus últimos filmes, ele prega a desobediência moral e afirma: arrisque muito para conseguir o que quer, mesmo que desafie a lei. Para Almodóvar, o aparentemente impossível só se obtém com o exagero na demonstração de sentimentos, na insistência.

Em Ata-me (1990) Antonio Bandearas é um ingênuo delinqüente que se vê fissurado em uma atriz vivida por Victoria Abril. Ele só quer mudar de vida. Casar-se e ter filhos. Para isso, segue a cartilha de Almodóvar: vá em frente, desafie o sistema, faça o que quer. A relação, inicialmente improvável e chocante pela violação da liberdade da personagem de Abril vai se tornando possível, convincente.

Almodóvar quer claramente convencer o espectador que o diferente, o que parece condenável e repugnante pode ter crédito.

O mesmo acontece com Carne trêmula (1997). O mesmo tipo de homem frágil, atrapalhado, mas repleto de desejo (por mulheres, diga-se de passagem) é colocado em situação criminosa, novamente um possível estupro. Almodóvar sempre quer nos convencer que violência sexual é relativa, deixa de ser crime quando o desejo é recíproco, ou, pelo menos, é reconhecido como tal durante a ação do filme.

Exatamente como acontece em Ata-me, em Carne trêmula, depois de várias idas e vindas o casal central da trama reconhece o afeto mútuo, o mais completo tesão e esquece que a lei costuma punir o sexo à força, mas nunca punirá a força do sexo.

Na época de exibição de Fale com ela (2002) e, agora, no seu lançamento em DVD, o filme foi saudado como mais uma obra-prima de Almodóvar. Excessos à parte, com belíssima fotografia e homenagens ao Brasil (via Caetano Veloso e Tom Jobim), o filme mostra uma das mais notáveis histórias de necrofilia.

Bem, não chega a ser necrofilia, pois a moça em questão é violada enquanto está em coma e não morta. Entretanto o que importa é que a cópula acontece quando ela está incapaz de reagir.

Almodóvar foi muito, mas muito mais longe do que em Ata-me, onde o ato sexual vai do animalesco, uma verdadeira luta, ao erótico. Em Fale com ela, a transa é de impossível sensualidade. Ela é referida e não mostrada. Em segundo lugar, trata-se de um ato de amor.

Como Almodóvar consegue isto? Como consegue convencer o espectador, além de crítica e até a conservadora Hollywood que lhe deu um Oscar de roteiro que um crime pode ser perdoado em função de sua intenção amorosa, até mesmo humana?

Esta é uma das mais brilhantes capacidades do diretor. Em Tudo sobre minha mãe (1999), um dramalhão de exageros, novamente temos o desfile das mulheres de Almodóvar: ansiosas, inquietas, atiradas, dedicadas. O filme pode ser comparado a um banquete típico das churrascarias de rodízio: não falta nada. E novamente Almodóvar consegue nos convencer com suas histórias absurdas. Exemplinho: a freira grávida de um travesti que está morrendo de AIDS.

Basta? Não! Talvez a personagem mais cativante do filme novamente é das figuras típicas do diretor. Trata-se de Agrado, um travesti (na verdade, representado por uma atriz) que dá lições de moral e vida a todos, transbordando bondade e dedicação.

Almodóvar é assim. Exigente com a produção de seus filmes. Escolhe a dedo os atores (tem uma boa turma de colaboradores), fotografia, música. Tudo se transforma em projeto mais do que cinematográfico. Pedro Almodóvar se coloca em uma missão educadora. Talvez, por sua homossexualidade (e quem não sofre por esta condição, mesmo em tempos atuais de maior aceitação?), aprendeu a conviver com o diferente, o aparente impossível das relações humanas.

Almodóvar é brilhante por sua capacidade de convencimento via cinema, de que um novo mundo existe para as relações humanas, especialmente a disparada pelo desejo sexual. Sexo, para o diretor, é o ponto de partida para novas combinações, novas possibilidades que tornam o mundo mais interessante e acolhedor.

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