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Dias de glória

Tema excepcional, execução padrão

01.02.2007, às 00H00.
Atualizada em 11.11.2016, ÀS 08H02

Dias de Glória (Indigènes, 2006), do parisiense Rachid Bouchareb, pega emprestado o gênero dos filmes de guerra para tratar do assunto mais urgente hoje na França: a relação do país com os seus imigrantes. Basta andar nas ruas de Paris - não nos jardins ou nos corredores dos museus - para perceber que a velha Cidade Luz é, acima de tudo, um lugar hostil. Ninguém se dá com ninguém, não importa idade, nacionalidade ou religião.

Um dia - ou dois anos, 1944 e 1945 - todos precisaram lutar do mesmo lado. Durante a Segunda Guerra Mundial, para defender o território europeu, o exército francês recrutou voluntários de suas colônias. Norte-africanos, muçulmanos em sua maioria, se alistaram para defender uma terra que eles nunca viram, mas ouviam dizer que era sua terra também.

Dias de Glória 3

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Dias de Glória 1

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Dias de Glória 2

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Said (Jamel Debbouze, o feirante de Amélie Poulain), Messaoud (Roschdy Zem, de Um herói de nosso tempo), Abdelkader (Sami Bouajila) e Yassir (Samy Naceri) são os quatro protagonistas, argelinos com perfis distintos. Said, iletrado, luta para se sentir parte de algo, como Messaoud, que busca no território francês um novo lar. Yassir pensa no dinheiro e nos espólios da guerra. Abdelkader quer subir na hierarquia militar e, com isso, reivindicar igualdade de condições entre os nativos e os indigènes - os "índios", como os franceses chamam pejorativamente seus colonizados.

Logo na primeira cena de batalha, a retomada de um morro na Itália ocupado por nazistas, Bouchareb ensaia uma "spielberguização" da coisa, embelezando a ação com panorâmicas, câmera na mão, closes e cortes rápidos na recarga da metralhadora, violino destacado na trilha sonora quando a maca recolhe os corpos. Mas logo os cacoetes da guerra-espetáculo se dissipam. O diretor não perde de vista o foco: mostrar a heterogeneidade dentro da infantaria.

A hierarquia cruel fica evidente na estratégia de combate. A massa de imigrantes vai à frente, para que a artilharia, atrás, identifique na montanha os focos de armamento nazista. Só quando a tropa de choque cai alvejada, os canhões franceses começam a soar. Com o morro bombardeado, os batalhões compostos por franceses nativos avançam de trás para tomar o terreno rendido.

Dias de Glória é uma tradução equivocada. Já no primeiro embate fica claro que não há glória possível para os argelinos. O repórter de guerra, o cinegrafista, entra em campo no jipe do coronel, acompanhando os triunfantes. É como em A Conquista da Honra: a guerra se faz com imagens, e os heróis são aqueles que conseguiram se enquadrar na foto. Ninguém registra para a posteridade o cemitério ao pé do morro, onde se juntam cruzes cristãs e lápides islâmicas. Iguais, só os mortos.

Há um tom de indignação muito forte no trabalho de Bouchareb, e talvez por isso o filme não consiga ir muito além da vitimização dos imigrantes. O tema é excepcional, mas a execução não é brilhante. De qualquer modo, o diretor prova seu ponto de vista. Os soldados que defenderam a França há 60 anos são hoje os marginalizados do banlieue, do subúrbio, que bancam o seguro social dos parisienses. Ambas as gerações não têm o reconhecimento ou o respeito que merecem.

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