Cena de Zona de Interesse

Créditos da imagem: Divulgação

Filmes

Crítica

Zona de Interesse constrói o horror pela banalidade do cotidiano

Jonathan Glazer introduz normalidade aos horrores de Auschwitz em conto sobre a convivência familiar na Alemanha de Hitler

Omelete
3 min de leitura
22.01.2024, às 06H00.
Atualizada em 22.01.2024, ÀS 12H07

Em uma entrevista recente, o criador de Família Soprano, David Chase, disse que, depois de entregar um novo roteiro, pediram-lhe para “emburrecer” aquele texto. Chase critica o que acredita ser uma tendência de trivialização dessas narrativas, que estaria colocando um fim à chamada era de ouro da teledramaturgia americana, da qual Sopranos permanece o totem principal de “qualidade”.

Evidentemente há muita diferença entre televisão feita em escala industrial e o cinema bissexto de um cineasta como Jonathan Glazer, mas o novo filme do diretor, Zona de Interesse, vem para mostrar que ainda é possível contar histórias de modo complexo, aprofundado e sem concessões - e ser reconhecido por isso pela crítica e pela comunidade do audiovisual. O fato de Zona de Interesse estar sendo lembrado em premiações nesta temporada do Oscar é uma luz para contadores de histórias que ousam, inclusive, abordar nessas histórias como sociedades podem depreciar quando aceitam desvios como uma nova norma e a tratam com sinistra naturalidade.

No filme, acompanha-se a história da família de Rudolf Hoss, comandante do exército alemão na Segunda Guerra, que mora literalmente ao lado de Auschwitz e lidera as operações dentro daquele que ficou conhecido como o mais brutal campo de concentração da Alemanha de Hitler. Glazer se nega a explicar qualquer detalhe da trama de forma tradicional, seja falada ou por imagens, e apenas conduz a trajetória dos Hoss como um grupo de pessoas de um subúrbio qualquer. Abordar essa naturalidade de frente é a forma de expor sua estranheza.

A primeira cena, com todos os familiares num lago se banhando num verão bucólico, expressa justamente essa normalidade com a qual o cineasta orquestra todos os pontos de Zona de Interesse. Seja na preparação do almoço, contando uma história para os filhos dormirem ou mesmo numa discussão de casal, o roteiro, também de Glazer, mas baseado no livro homônimo de Martin Amis, impõe de forma sutil a banalidade com que os agentes de um dos maiores crimes da humanidade se comportaram.

O filme nunca permite que haja um rompante que descubra a realidade; na verdade, desde o primeiro minuto, quando deixa a tela preta e aumenta a trilha, Zona de Interesse busca atenção do espectador para o que não está ali. Ao mesmo tempo que retrata um casal de adolescentes se beijando escondidos, é possível ouvir tiros sacrificando prisioneiros ou acompanhar a sutil fumaça dos trens lotados chegando para testar as primeiras câmaras de gás que marcaram a História. Mesmo nos conflitos, há o pedaço do normal que permeia o filme, seja ele o amor entre homem ou mulher, ou mesmo o embate de classes e disputa de forças tão comum em qualquer sociedade.

Sem subir o ritmo em seus 90 minutos, Glazer parece não questionar os motivos de cada crueldade cometida, nem mesmo as motivações da família Hoss, mas sim expor como é do ser humano optar pela comodidade, independente do que acontece ao redor. É mais fácil acompanhar e aceitar, engolindo o que já vem mastigado e seguir ordens, do que perguntar. É mais fácil apontar o dedo para o que há na superfície, ignorar o que se passa por trás da cortina, e simplificar a discussão. E ainda que faça um filme que pareça uma convenção da crueldade nazista, o cineasta deixa claro como a banalidade daquela época não é um traço especial de um povo, mas sim inerente ao comportamento humano, que sempre opta pela zona de conforto.

Nota do Crítico
Excelente!
Zona de Interesse
The Zone of Interest
Zona de Interesse
The Zone of Interest

Ano: 2023

País: Reino Unido

Duração: 1h45 min

Direção: Jonathan Glazer

Roteiro: Jonathan Glazer

Elenco: Sandra Hüller, Christian Friedel

Onde assistir:
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