Se tem uma cena de Ainda Estou Aqui que mostra toda a capacidade dramática de Fernanda Torres (e a que deveria ter sido usada no Oscar, inclusive) provavelmente é a cena da sorveteria em que, apenas com um olhar, ela reflete a dor de tudo o que perdeu. Em Vitória, Fernanda Montenegro reforça exatamente de onde a filha puxou o talento contido.
Durante o ponto de virada do segundo para o terceiro ato do filme, sua personagem recebe uma notícia que a abala tanto que a leva a mudar de ideia sobre algo do qual já estava convicta. Montenegro não chora, mas o seu olhar já diz tudo sobre a avalanche de sentimentos que está ali.
A cena descrita provavelmente é o ápice dramático de Vitória, mas Fernanda não deixa a bola cair em nenhum momento – não que a gente esperasse o contrário. Mas é impactante o quanto do longa é simplesmente carregado pela força que ela traz em tela. No filme, baseado em uma história real, ela é Nina, uma mulher que expôs toda uma rede de tráfico no Rio de Janeiro.
A personagem – que teve sua identidade real, Joana da Paz, revelada apenas em 2023, quando o filme já estava gravado, – morava ao lado de uma comunidade e passava dias amedrontada por tiros e balas perdidas em meio ao crime organizado. Depois de diversos pedidos de ajuda infrutíferos para a polícia, ela decidiu comprar uma filmadora e registrar as provas por conta própria.
Foi aí que a história acabou nas mãos do jornalista Fábio Godoy (Fábio Gusmão na vida real, vivido por Alan Rocha), que finalmente ajudou a violência a ser exposta. Mas para que a investigação de fato fosse feita, Nina precisava entrar no Programa de Proteção a Testemunha, mudando de casa e nome para o resto da vida. “A senhora está me dizendo que eu preciso morrer para não morrer?”, questiona a personagem de Montenegro em determinado ponto do filme.
Ao mesmo tempo que sofre – com a violência na sua janela, policiais ineficientes e até descaso dos vizinhos –, Nina nunca é retratada como apenas a vítima da situação. Em um mérito tanto de Fernanda, quanto do roteiro de Paula Fiuza (com colaboração de Breno Silveira, que faleceu logo no começo da produção), a personagem é pura força. Ela sabe o que quer e busca isso mesmo com as limitações físicas da idade e de sua condição social.
Mesmo nas situações mais adversas, ela não ouve desaforos calada e rebate na mesma moeda. Algumas falas podem até tirar um sorrisinho de satisfação do espectador em meio às cenas mais tensas. Junto a isso, a história também encontra acalentos para a personagem. Primeiro com o menino Marcinho (na estreia do talentoso Thawan Lucas) e, então, com sua nova vizinha, Bibiana (Linn da Quebrada, em uma atuação singela e carinhosa, mesmo em poucas cenas).
Além do roteiro, a direção de Andrucha Waddington equilibra pontuais momentos calorosos de felicidade suficientes para que a gente se conecte com os personagens e sofra ainda mais em suas trajetórias. Talvez a única falha seja justamente quando o filme perde esse equilíbrio e cai em um drama mais exagerado. Felizmente, não dura por muito tempo.
Mesmo em uma história real, cuja própria premissa já dita como a trama vai se desenvolver, Vitória ainda consegue surpreender. A decisão, por exemplo, de mostrar com clareza os crimes gravados por Nina em sua câmera apenas no momento em que outra pessoa assiste aos vídeos pela primeira vez é certeira. O nosso choque e indignação são tão grandes quanto os do personagem. E isso deixa claro: seja no incômodo, na indignação ou na admiração, o que esse filme realmente sabe fazer é comover.
Ano: 2025
País: Brasil
Duração: 112 min
Direção: Andrucha Waddington
Roteiro: Breno Silveira, Paula Fiuza
Elenco: Fernanda Montenegro