Um encontro entre duas mulheres — uma negra e brasileira, e outra alemã e judia — nos anos 1930 provocou uma grande revolução na psicanálise no Brasil. Esse é o ponto de partida de Virginia e Adelaide, filme dirigido pelo experiente Jorge Furtado (Saneamento Básico, o Filme e Meu Tio Matou um Cara) e pela estreante em longas-metragens Yasmin Thayná (Kbela). Porém, ao longo de pouco mais de uma hora e meia de duração, vemos muito mais do que isso. Somos transportados para o passado e conhecemos a dor de duas mulheres que ainda tateiam e tentam compreender temas como o racismo no Brasil e o Holocausto na Alemanha.
Com apenas as duas personagens em cena, o filme muitas vezes lembra uma peça de teatro, com diálogos dinâmicos, longos monólogos e praticamente todo ambientado em um único cenário. Utiliza também recursos visuais de tela verde para transportar as personagens a ambientes distintos da casa de Adelaide — onde Virginia a procura para uma consulta e, posteriormente, para aprender mais sobre psicanálise — como, por exemplo, ao mostrar memórias da infância de Virginia e momentos históricos como a Noite dos Cristais, na Alemanha.
No papel de Adelaide — uma alemã de origem judia que fugiu da Alemanha durante a ascensão do nazismo e foi fundamental para o reconhecimento da psicanálise no Brasil — está Sophie Charlotte. Já Gabriela Correa interpreta Virginia, uma socióloga pioneira nos estudos raciais no país e a primeira brasileira não médica reconhecida como psicanalista. Desde o início, as duas demonstram ótima química em cena, culminando em momentos extremamente tocantes, que emocionam o público ao abordar dores atemporais vividas por mulheres, negros e judeus.
A amizade entre as duas personagens é muito bem explorada graças à química construída pelas atrizes. Apesar da dramaticidade e seriedade do tema, há momentos de descontração e piadas entre elas. Sophie representa com precisão sua ancestralidade alemã, com um sotaque forte — no limite do caricato — que, segundo ela revelou no tapete vermelho, foi inspirado em sua avó. Já Gabriela traz a sensibilidade de uma mulher que está descobrindo traumas e os usa para se fortalecer ainda mais. Há um elo muito bonito entre as duas, perceptível mesmo quando o filme nos avisa desde o início que a maioria das cenas e diálogos são fictícios — algo que fica claro especialmente quando as atrizes leem cartas reais trocadas pelas personagens.
Quando assisti a Virginia e Adelaide no Festival do Rio de 2024, saí do clássico Cine Odeon emocionado pelas reflexões anacrônicas que o filme provoca e encantado com a história apresentada. Confesso que eu não conhecia Virginia Bicudo e passei alguns dias hiperfocado em saber mais sobre seus feitos. Fiquei impressionado com o fato de ela, já nos anos 1950, conseguir levar um tema tão delicado como a saúde mental à população por meio do rádio, com o programa Nosso Mundo Mental, na rádio Excelsior.
No fim das contas, me senti imerso e completamente interessado em saber mais sobre as duas personagens. Acredito que esses sejam os objetivos dos diretores com o filme: promover um debate sobre preconceito, sobre o papel da mulher na sociedade e resgatar duas figuras muito importantes — e talvez com menos reconhecimento público do que merecem — da história do Brasil.
Virginia e Adelaide
Virginia e Adelaide
Ano: 2024
País: Brasil
Classificação: 12 anos
Duração: 96 min min
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