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Crítica

Vencido pela realidade, Uma Noite de Crime: A Fronteira escolhe o óbvio político

Quinto filme da série amplifica as coisas mas dilui seu discurso no caos pelo caos

MH
03.09.2021, às 10H11.
Vencido pela realidade, Uma Noite de Crime: A Fronteira escolhe o óbvio político

Créditos da imagem: Universal/Divulgação

Assim como fica difícil hoje fazer comédia política, tendo que competir com o absurdo do noticiário diariamente, os filmes da série Uma Noite de Crime estão sendo alcançados pela realidade. Em 2013, quando saiu o primeiro Purge, Barack Obama ainda entrava no seu segundo mandato, e a escalada da violência que hoje acompanha a polarização política pós-Donald Trump era só pesadelo de ficção. Em outras palavras, a distopia chegou, em forma de xenofobia e mais desigualdade social, e Uma Noite de Crime não está sabendo lidar com isso.

O resultado é que o quinto filme da série, Uma Noite de Crime: A Fronteira, não consegue se articular além da perplexidade. A trama acompanha dois imigrantes mexicanos recém-chegados aos Texas, que se aliam ao dono americano de uma fazenda para tentar se salvar, quando uma milícia organizada decreta o “Forever Purge” do título original: a noite anual da purgação chega ao fim mas a guerra civil continua na manhã seguinte.    

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Por uns dois ou três minutos, quando amanhece o dia seguinte ao som de uma calorosa canção mexicana, o espectador fica com a impressão de que baixou o Jordan Peele no diretor Everardo Valerio Gout, porque se estabelece no filme uma sensação de mal-estar, de terror institucionalizado, como se o mal fosse feito às pessoas não só na noite da purgação, mas no dia a dia mesmo, sem que elas sequer percebam. Essa sensação se desfaz muito rápido, porém, quando alguém grita algo sobre fake news na TV e vemos um repórter receber um tiro, o que dá a partida oficial para o Forever Purge.

Ou seja, se havia alguma insinuação de comentário sobre a normalização do ódio, o filme deixa isso de lado para tornar as coisas bem mais didáticas dentro da alegoria política que propõe. Não é difícil entender que tudo neste Uma Noite de Crime é bastante literal e será assim até o desfecho. Resta aos personagens fazer seus manifestos cheios de platitudes (variações e variações do “não é isso que a América representa”) de forma pausada e grave, enquanto fala-se mal de ricos, políticos, os vilões oficiais.

O efeito da perplexidade é que este quinto Purge é um filme estagnado do ponto de vista do discurso (reiterar a vilania da classe política sempre é uma forma de desmobilização social) e isso se reflete na ação. O departamento de figurino adapta as conhecidas fantasias de Purge para um contexto de fronteira, com caubóis de Halloween, mas o filme não consegue eleger um vilão capaz de sustentar um antagonismo a sério. Isso acontece menos pela estrutura escolhida (é normal que o filme-de-travessia tenha variedade e sucessão de inimigos, como no caso de Warriors) e mais pela hipertrofia do debate: ao invés de se posicionar e eleger um vilão de fato, este Purge escolhe a saída fácil da “ideia de um vilão”, caminhões de insígnia fascistoide que ficam rodando as ruas repetindo slogans da xenofobia.

Desta vez, fica a impressão de que Uma Noite de Crime vai tomar o caminho de John Carpenter - que adorava transformar os carros americanos em avatares de um horror endêmico, sem rosto - mas o roteiro de James DeMonaco não tem a luz de assumir essa inspiração, e temos que nos conformar com vilões de ocasião mesmo, até que alguém chame outro fascista no rádio de “líder alfa” e a gente finalmente saiba identificar o chefão da história. Enquanto isso, cabe ao diretor Everardo Gout fazer valer a ação, que ele encena com uma predileção por planos longos e movimentos em 360 graus - o que às vezes faz parecer que estamos dentro de um jogo de tiro em VR.

Para não dizer que este Purge se perde em si mesmo, vale pontuar que a fantasia de caos a que assistimos se presta a duas coisas: tanto consagrar o discurso despolitizante (o filme tanto acusa quanto abraça o caos pelo caos) quanto amplificar o que a franquia oferecia nos quatro filmes anteriores, agora numa chave francamente pós-apocalíptica, seguindo a regra das continuações cada vez maiores. De resto, a paisagem da franquia pode mudar aos poucos, tentando acompanhar um mundo perplexo, mas a Hollywood liberal continua a mesma: unindo fazendeiros e mexicanos em parceria instantânea, sem se questionar se a economia da exploração não seria uma das raízes de todo o problema.

Nota do Crítico

Regular
Marcelo Hessel

Uma Noite de Crime: A Fronteira

The Forever Purge

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