Uma Família Respeitável | Crítica
Filme francoiraniano denuncia a realidade do Irã de passagem, sem deixar o ar-condicionado do carro
Arash, um professor universitário expatriado, de passagem por Teerã depois de 22 anos longe do Irã, pega um táxi em direção ao aeroporto, no meio da noite. A câmera fica em primeira pessoa e move-se com nervosismo em plano-sequência; é o professor tentando antever potenciais ameaças nas ruas da capital iraniana. De repente ele é rendido e amarrado dentro do carro - seu ponto de vista é obscurecido e ficamos sem saber o que acontece em seguida.
uma familia respeitavel
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Esse início de Uma Família Respeitável (Yek Khanévadéh-e Mohtaram) estabelece duas premissas que serão respeitadas até o fim: embora tenha os elementos que constituem as crônicas sociais e familiares dos filmes iranianos de hoje em dia, o longa do roteirista e diretor Massoud Bakhshi é mais um suspense do que necessariamente um drama de costumes. A segunda premissa é o papel dos carros; neles transcorrem alguns dos eventos mais importantes do filme, e, como tal, Uma Família Respeitável sofre por ser um retrato panorâmico da realidade iraniana.
Acompanhamos em dois momentos históricos os acontecimentos que resultariam na cena do táxi. Vemos Arash na infância, nos anos 1980, enquanto o seu irmão mais velho morre na guerra Irã-Iraque. A morte transforma o irmão em mártir e, por extensão, dá mais prestígio à família, que prospera financeiramente. Corta para os dias de hoje que antecedem o incidente do táxi. Como expatriado e professor universiário, Arash enfrenta dupla resistência da burocracia iraniana para abrir uma fundação em homenagem ao irmão morto - motivo do seu retorno ao Irã. Paralelamente, a tal prosperidade da "família respeitável" tem muito a esconder, como o protagonista dolorosamente logo descobre.
No trânsito entre as cidades de Teerã, onde está seu pai, e de Shiraz, onde mora a mãe, Arash não perde em nenhum momento o olhar de estrangeiro - o que facilita para Bakhshi demonizar tudo-isso-que-está-aí. Acidentes em estradas e brigas de rua acontecem em qualquer lugar do mundo, mas sob a perspectiva passageira de Uma Família Respeitável essas coisas se tornam uma peculiaridade iraniana. Pelo espelho retrovisor, Arash presencia abusos e brutalidades. Certamente, há muito abuso e muita brutalidade na história do Irã (uma imagem poética comum no cinema é tratar como passado o que se vê no retrovisor de um carro), mas o denuncismo de Bakhshi generaliza a questão.
Torna-se, então, previsível a forma como o diretor caracteriza com maniqueísmo os vilões do seu suspense. O meio-irmão de Arash, principalmente, não é desprezível apenas porque deixou-se corromper pela abertura econômica do país, ele já era desprezível na infância, quando torturava os gatos de que Arash gostava. Mais uma vez, Bakhshi enxerga o mal à distância e o generaliza; vê o mal como um dado estabelecido e não como um processo. Não deixa de ser irônico: com seus saltos históricos, o filme propõe radiografar as mudanças ocorridas no país, mas tem medo de se aproximar de verdade para ver que mudanças são essas.
Uma Família Respeitável prefere ficar com o pré-conceito, em pose indignada. Se ao fim reservasse a Arash a oportunidade de extravassar essa indignação, poderia passar por thriller de fato, mas nem para conceber um herói vingativo este filme serve direito.