Julgando pelos trailers, Um Completo Desconhecido parecia uma repetição do que deu certo em Johnny & June, filme também dirigido por James Mangold e que contava a história de outro grande artista da música americana: Johnny Cash. O filme de 2005 mostrava o relacionamento de Cash (Joaquin Phoenix) e June Carter (Reese Witherspoon), rendendo um Oscar para a atriz e mais quatro indicações.
A grande diferença entre as obras está na motivação dos dois protagonistas, mesmo que ambos sigam passo a passo a cartilha do sonho americano para o sucesso. A história de Cash era movida pelo amor, seja ele o do irmão que morreu, o negligenciado pelo pai e o relutante de June Carter, que preferia se manter afastada da figura de um Cash que vivia bebendo, se drogando e “longe de Deus”. Em Um Completo Desconhecido, Bob Dylan é motivado pela música o tempo todo. As relações humanas importam muito menos do que a arte e todos que orbitam sua vida ganham ou perdem valor dependendo do quanto isso impacta em sua arte.
Não é à toa então, que Timothée Chalamet receba toda a atenção da direção e do roteiro, co-escrito por Mangold e Jay Cocks, a partir do livro de Dylan Goes Electric, de Elijah Walds. Chalamet está presente em tela quase o tempo todo e incorpora com precisão todos os aspectos físicos de Bob Dylan. Da voz fanha até a forma de segurar um cigarro, o trabalho de Chalamet é impressionante e hipnotizante. Assim como fez em Johnny & June, com Phoenix e Witherspoon, Mangold coloca seu protagonista para cantar de verdade e a diferença é gritante se compararmos com o que vemos em outras cinebiografias. A recriação de Bob Dylan é mais uma prova do talento de Chalamet, que já andou por todos os tipos de gênero no cinema e vem se provando, cada vez mais, como um dos maiores de sua geração.
Esse direcionamento da história e da construção do Bob Dylan de Um Completo Desconhecido favorece também quase todos aqueles relacionados ao mundo da música na história. Edward Norton está ótimo como Pete Seeger, um dos principais apoiadores de Dylan, e mostrado aqui como o grande mentor do cantor. Scooty McNairy também aparece ótimo como Woody Guthrie, já muito doente, quando Dylan o conheceu. O cantor e compositor inspirou Dylan a deixar Nova Jersey e foi sua referência no início da carreira. Mas quem rouba a cena em todos os momentos em que aparece na trama é Boyd Holbrook como Johnny Cash. Da mesma forma que Chalamet, Holbrook consegue emular o gestual e o timbre vocal icônico de Cash com perfeição. O encontro dos dois artistas na história, e com ambos tendo produções dirigidas por Mangold, é curioso. O “Mangoldverso” tem até momentos que se ligam, como a carta que Cash escreveu para Dylan.
Menos interessante é a inserção de um triângulo romântico entre Dylan, Sylvie (Elle Fanning) e Joan Baez (Monica Barbaro). Baseada em Suze Roto, a personagem de Fanning nunca mostra o real motivo para estar na história. Ela não funciona como impedimento para a carreira de Dylan, como um catalisador, muito menos para questionar qualquer tipo de comportamento do artista na história, além do que já sabemos desde o início: a paixão dele é a música. O mesmo se dá com Baez, que pelo menos tem os momentos musicais e o grande talento de Barbaro no vocal como um chamariz. Mesmo assim, não há muita novidade aqui.
James Mangold mostra nos aspectos técnicos a competência pela qual é conhecido e tão procurado em Hollywood. Entretanto, Um Completo Desconhecido é mais um filme em que ele falha ao compor a história ao redor do protagonista e quais conflitos vão mover o protagonista ao longo da trama. O mesmo aconteceu com Indiana Jones, onde tudo é desinteressante quando não estamos olhando para o ícone sagrado da cultura pop que é o arqueólogo de Harrison Ford. E também em Ford v Ferrari, um filme tecnicamente incrível, mas que nunca consegue alcançar o potencial dramático ou histórico daquilo que quer contar. Com Bob Dylan, assim como foi com Johnny Cash, Mangold ainda consegue recriar bons momentos, como as apresentações no Newport Folk Festival ou a gravação de Like A Rolling Stone, quando Dylan conhece Al Kooper no estúdio. Mas, de novo, são momentos que falam muito mais sobre a fantástica atuação de Timothée Chalamet e sua recriação de Dylan, do que sobre a história que está sendo contada e como o diretor amarra todos esses elementos.
Melhor do que a maioria das cinebiografias musicais que vimos nos últimos anos, Um Completo Desconhecido é um prato cheio para os fãs de Bob Dylan e de música em geral. Os grandes sucessos estão lá, o visual e, desculpe soar repetitivo, Timothée Chalamet nos faz acreditar que estamos vendo o jovem Dylan na tela. Entretanto, comparado com outras obras sobre o cantor e compositor, aí talvez o filme de James Mangold só passe na média, algo que Dylan e suas canções nunca foram.
Ano: 2024
País: Estados Unidos
Direção: James Mangold
Roteiro: James Mangold
Elenco: Elle Fanning, Edward Norton, Timothee Chalamet