Demora quase uma hora para Kornev (Aleksandr Kuznetsov) chegar nos escritórios do diretor da prisão onde está a pessoa que lhe enviou uma carta urgente. Isso é praticamente metade de Two Prosecutors, a meditação kafkiana do diretor Sergei Losnitza sobre a impossibilidade de encontrar justiça, ou até de conseguir uma reunião, numa União Soviética que arquitetou todos os seus sistemas e prédios para manter as pessoas confusas e perdidas.
Eventualmente, Kornev – recentemente promovido a promotor de sua região local – chega lá. É 1937, durante o que Two Prosecutors chama do auge do “terror de Stalin.” Praticamente todo guarda e oficial do presídio mais atrapalha do que ajuda, mas é como se o principal antagonista fosse aquele edifício, filmado pelo diretor como o primeiro de muitos labirintos por onde esse jovem advogado precisará andar. Alguns deles são visíveis – construções de pedra, cimento e madeira que asfixiam a segurança de quem anda por seus corredores, quase como se as paredes estivessem sussurrando uma ordem para deixar o local. Outros, os mais complicados, sequer podem ser vistos, e para o eventual desespero de Korven, ele entrou, sem saber, num desses no minuto em que bateu na porta da prisão.
Sua chegada lá traz uma das únicas risadas desse filme incessantemente sério. Um grupo grande de mulheres, de maioria idosa, observa a entrada do rapaz. Em seus rostos está a expressão de choque de quem não sabe se ele é maluco ou corajoso por fazer aquilo. Kornev então leva chá de cadeira atrás de chá de cadeira, tem mais dificuldade em mover guardas de sua frente do que de abrir portas, é encarado constantemente e, apesar disso tudo, persiste. Quando ele enfim chega na cela, descobre que seu remetente, que escreveu a carta com seu próprio sangue, também é procurador. Ou melhor, era.
Idoso, doente e morrendo, aquele homem conta para Kornev como as autoridades locais estão abusando de seu poder e quebrando as leis soviéticas. Qualquer um que ouse ir contra eles é taxado como contra-revolucionário e torturado. Foi isso que aconteceu com ele, mas ele está convencido de que se seu jovem colega de profissão levar o caso a Stalin, ou ao procurador-geral da União Soviética, isso tudo vai mudar. Aquele presidiário mantém uma fé no sistema que o próprio filme já perdeu.
A segunda hora de Two Prosecutors repete essa dinâmica, de arquitetura confusa e pessoas indispostas a ajudar, mas em outro lugar. Saímos de uma cadeia escura e úmida para os salões impecáveis de Moscou, onde Kornev novamente precisa enfrentar obstáculos sem fim para conseguir encontrar uma pessoa. Apesar do truque interessante vindo da troca de ambiente, Losnitza gasta mais longos minutos sublinhando um argumento que ele já fez.
Efetivamente, as duas metades do filme servem ao mesmo propósito, e a conclusão é a única quebra de ritmo e forma – 90% dos closes de Two Prosecutors vêm em seus últimos 15 minutos; o restante do filme prefere planos médios que sempre mantém os personagens dentro da geografia ao seu redor. Esse final, porém, vem depois de um preparo tão insistente que já sabemos exatamente o que esperar. Só Kornev não percebe onde ele está se enfiando.
Para ser justo, a ideia do filme é justamente quebrar a inocência do personagem da maneira mais brutal possível, mas a falta de algo novo a dizer na segunda hora de Two Prosecutors abate pouco a pouco o impacto da conclusão. Ainda assim, não há como negar o controle de Losnitza em construir o caminho que leva o protagonista até este fim.
Dois Procuradores
Two Prosecutors
Ano: 2025
País: Romênia, França, Letônia, Holanda, Alemanha, Lituânia
Duração: 113 min
Direção: Sergei Loznitsa
Roteiro: Sergei Loznitsa
Elenco: Aleksandr Kuznetsov , Aleksandr Filippenko
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