Trilha Sonora Para um Golpe de Estado

Créditos da imagem: Pandora Filmes

Filmes

Crítica

Trilha Sonora Para um Golpe de Estado é frenético, errático e impressionante

Indicado ao Oscar, documentário sobre efeitos da Guerra Fria no Congo é tão ambicioso quanto acelerado

Omelete
3 min de leitura
27.01.2025, às 12H27.

Muito antes de ficar clara qual é a ligação Louis Armstrong e outras lendas do jazz e blues com a história de como a República Democrática do Congo virou um caldeirão de interesses estrangeiros, entendemos a escolha desses gêneros musicais como vinhetas e ganchos narrativos de Trilha Sonora Para um Golpe de Estado. Indicado ao Oscar de Melhor Documentário, o filme de Johan Grimonprez se move como uma dessas faixas. Errático, imprevisível e infinitamente criativo, este mix de documentário e vídeo ensaio pode ser tão exaustivo quanto impressionante.

Capaz de levantar inúmeras notas e tons, partir para direções aparentemente irreconciliáveis e depois unir tudo isso num só refrão, Trilha Sonora parece, como um bom jazz, estar constantemente à beira do colapso. Saia um pouco do tom, e a música rapidamente se transforma numa cacofonia. A bagunça, porém, é parte do apelo. Conforme gráficos, títulos e imagens de arquivo pintam para nós o cenário dos anos 1960, quando a guerra fria e o movimento por direitos civis dos negros nos EUA voltaram seus olhos para uma nação à beira do que, achava-se, seria sua independência, surge um som inconfundível, poderoso e marcante.

O filme abordará tantos nomes, conflitos e locais que você se sentirá, como disse um review apropriado do filme no Letterboxd, abrindo infinitas abas do Wikipedia e sofrendo para lembrar por onde tudo começou. Mas mesmo enquanto o ritmo acelera e os instrumentos ficam mais altos, a direção primorosa de Grimonprez e o trabalho hercúleo do montador Rik Chaubet retornam a narrativa ao seu foco: o que acontece com um povo quando as forças militares mais temíveis deste mundo decidem que sua terra será explorada? De eleições manipuladas a agentes da CIA, de discursos na ONU a mercenários contratados, Trilha Sonora Para um Golpe de Estado pinta um cenário cuja escala só é superada por sua complexidade.

O volume de informações, junto com a extensa duração do filme, significam que o cansaço é um fator, mas ele é, também, a intenção. Conforme vemos os esforços do líder congolês Patrice Lumumba para garantir a liberdade de seu país sendo anulados pelos interesses dos EUA, da Bélgica e (num grau menor, mas ainda real) da União Soviética em expandir seus negócios, suas armas e suas agendas, a fadiga é inevitável. A raiva e a frustração, também. Não esqueçamos do humor, mórbido mas essencial para reconhecer as ironias da política. Falando sobre a influência de Malcolm X nos EUA, sobre minas de urânio usado em bombas nucleares, sobre a música africana e seus derivados ocidentais, Trilha Sonora Para um Golpe de Estado mira nas alturas, e mesmo quando tropeça em alguma estrofe, sua composição permanece vívida, e o filme jamais deixa de comunicar a emoção desejada.

O feito é auxiliado pela importância dos eventos registrados no documentário, uns que quando bem analisados revelam o histórico de mineração – cultural e física – do hemisfério sul, e como o poder opera sorrateiramente para desestabilizar e conquistar. Acima de tudo, Trilha Sonora Para um Golpe de Estado é uma grande obra de curadoria e organização. Grimonprez não tem medo de adicionar mais um músico à sua orquestra, e apresenta um novo rosto ou acontecimento com o tempo mais rápido possível. É irônico, até, que as figuras menos exploradas sejam exatamente as dos cantores e bandas da época. Sua relação com a queda de democracias é explorada mais no nível criativo – particularmente nas letras das músicas, frequentemente cheias de protesto, celebração e revolta – do que no pessoal. Eles são coadjuvantes aos seus próprios sons.

Ainda assim, é fácil entender como o jazz virou o motor dessa narrativa, e como informou o excelente trabalho de edição, de gráficos e textos do filme. Juntos, eles dão a esse grande retrato da história ritmo e harmonia – em outras palavras, a trilha sonora.

Com distribuição da Pandora Filmes, Trilha Sonora Para um Golpe de Estado entra em cartaz nos cinemas brasileiros em 30 de janeiro.

Nota do Crítico
Ótimo
Trilha Sonora Para um Golpe de Estado
Soundtrack to a Coup d'Etat
Trilha Sonora Para um Golpe de Estado
Soundtrack to a Coup d'Etat

Ano: 2024

País: Bélgica

Classificação: 14 anos

Duração: 2h30 min

Onde assistir:
Oferecido por

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.