Cena de The Ugly Stepsister (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de The Ugly Stepsister (Reprodução)

Filmes

Crítica

The Ugly Stepsister pode ser o próximo A Substância - e, por vezes, é até melhor

Filme norueguês tem mais tripas do que indicado ao Oscar, e até um pouco mais cérebro

Omelete
4 min de leitura
24.01.2025, às 06H00.

Nada como um dia após o outro... ou, às vezes, um par de horas. No mesmíssimo dia em que A Substância recebeu 5 indicações ao Oscar 2025, fazendo história para um cinema de gênero que raramente entra no radar da Academia, eu estive em uma sala de projeção do Festival de Sundance 2025 assistindo a The Ugly Stepsister. O filme norueguês, dirigido por Emilie Blichfeldt, por vezes parece a consequência lógica da elogiada obra de Coralie Fargeat, muito embora provavelmente tenha sido concebido e filmado antes do longa da francesa ganhar projeção internacional. Eis aqui, afinal, mais um body horror sobre o calvário social pelo qual metemos o corpo feminino, dirigido por uma cineasta europeia, que aposta nas estratégias de choque e em um bom humor meio torto para conquistar e provocar o público ao mesmo tempo.

Acontece que The Ugly Stepsister é um pouco mais do que "o novo A Substância", e ainda bem. No pouco menos de 2h de duração da sua releitura de Cinderela pelos olhos de uma das "irmãs feias" da Gata Borralheira, Blichfeldt mostra que tem ideias mais sofisticadas do que Fargeat (uma autora de impulso criativo imparável, mas que opera muito no instinto de quem é fluente na linguagem em que se expressa) sobre a própria natureza da beleza, e como ela captura a mente feminina em um ciclo de autodestruição. E ela tem seu próprio estilo, também, uma deturpação curiosa da linguagem visual dos contos de fada e sua feminilidade de bibelô - para a diretora, a distância desse luxo para a decadência, e dele para a nojeira, é muito menor do que pode parecer.

Talvez até por isso, The Ugly Stepsister vai até mais longe do que A Substância em termos de criar imagens que revirem o estômago do espectador (a quantidade de oooh’s e ugh’s que foram emitidos naquela minha sala em Sundance que o digam). O texto de Blichfeldt se mostra incansavelmente criativo nesse sentido, comprometido em entregar na tela, em imagens explícitas, cada um dos horrores aos quais alude - mas são as equipes de efeitos especiais e maquiagem que atendem ao desafio da cineasta, que quis realizar tudo isso com um orçamento que é uma fração do gasto por Hollywood em seus projetos mais ambiciosos. O filme dinamarquês é convincente no gore, enfim, mas nem por isso perde de vista o que ele representa como discurso.

Daí que o diretor de fotografia Marcel Zyskind trata de colocar lentes cor de rosa nas cenas de delírio romântico da “irmã feia” com o Príncipe Encantado; a figurinista Manon Rasmussen veste as personagens em trajes de babados igualmente deslumbrantes e incongruentes; e a designer de produção Sabine Hviid ajuda na hora de encher de plumas, mas também restos de comida, os salões de alta sociedade e cozinhas de castelos onde se passam a trama. É nessas e outras que The Ugly Stepsister vai demonstrando sua eloquência: eis aqui um filme que entende que a beleza é uma mentira, uma fantasia, em todas as suas encarnações - a beleza moral do príncipe romântico, a beleza estética da sua Cinderela mais símbolo do que personagem, meta irreal para a protagonista alcançar, e a beleza poética da narrativa do "bem contra o mal".

Se, em A Substância, Fargeat se apropriou dos chavões do olhar libidinoso do cinema masculino para criar um filme que prende o espectador no que é essencialmente um teste de moralidade (do lado de quem você está? você ficou com tesão nessa cena?), em The Ugly Stepsister a apropriação é outra. Blichfeldt, aqui, revela a falsidade inerente de tudo o que se conhece como culturalmente feminino, inclusive a narrativa sobre os sacrifícios que garotas fazem para alcançarem o padrão de beleza do tempo em que vivem. A realidade, nos propõe a diretora, é muito mais maldosa, muito mais pérfida, e muito mais extrema do que os discursos higienizados que se fazem sobre o assunto.

O resultado é um filme que apela para os nossos instintos básicos, ultrapassa nossas barreiras morais e estéticas mais enraizadas. Enfim, pode ser que nem todo mundo goste de The Ugly Stepsister (assim como nem todo mundo gostou de A Substância), mas pode apostar em uma coisa: todo mundo vai estar prestando atenção nele.

Nota do Crítico
Excelente!
The Ugly Stepsister
Den stygge stesøsteren
The Ugly Stepsister
Den stygge stesøsteren

Ano: 2025

País: Noruega/ Dinamarca/ Romênia/ Polônia

Duração: 110 min

Direção: Emilie Blichfeldt

Roteiro: Emilie Blichfeldt

Elenco: Isac Calmroth, Lea Myren

Onde assistir:
Oferecido por

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.