Quando o título de The Legend of Ochi apareceu na tela, durante sua estreia mundial no Festival de Sundance 2025, a plateia do Library Center Theatre, em Park City (EUA), explodiu em aplausos e gritos. Não era uma questão de bajular a equipe e o elenco, que estavam presentes na exibição, mas um acerto de timing do diretor Isaiah Saxon, veterano dos videoclipes que - talvez com o conhecimento de causa de quem trabalha há tempos com um formato mais curto -iniciou este seu primeiro longa-metragem com uma sequência de ação impressionante. Nela, a protagonista Yuri (Helena Zengel) parte com o pai Maxim (Willem Dafoe) e o grupo de meninos que ele lidera para caçar as criaturas conhecidas como Ochi, primatas com os quais os moradores do seu vilarejo fictício têm uma rivalidade antiga.
A cena, ambientada na calada da noite e no meio da floresta, entrega todas as referências que guiam The Legend of Ochi como produto estético - e ainda bem, porque é na estética que o filme de Saxton se garante como entretenimento. A fotografia embebida de chiaroscuro, assinada por Evan Prosofsky (outro profissional formado nos clipes); a trilha melodramática - quase intrusiva - composta por David Longstreth (da banda Dirty Projectors); a montagem de Paul Rogers (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo), que se mostra ágil e focada em dar impacto à ação; as criaturas realizadas em animatrônico, com assistência mínima (e bastante convincente) de CGI… tudo remete a um charme retrô, a um resgate da aventura infantojuvenil com subtons sombrios que um dia foi o arroz-e-feijão de Hollywood.
A referência é oitentista, é claro. Steven Spielberg e sua Amblin, com títulos como E.T.: O Extraterrestre e Os Goonies; Jim Henson com os seus Labirinto e O Cristal Encantado; Joe Dante e o seu Gremlins - enfim, todos os filmes que criaram uma geração de cinéfilos obcecada pelo técnico, pelo artesanal, e pela possibilidade de construir famílias fantasiosas com criaturas míticas. O herdeiro mais recente dessa tradição, embora muito adaptado para o contemporâneo, talvez seja Como Treinar o Seu Dragão, e quem não reconhecer a linhagem da qual a franquia da DreamWorks se alimentou talvez ache Ochi um pouco derivativo dela. A relação de Yuri com o pai e a mãe (vivida por Emily Watson), as visões opostas do casal e o arco de reunião familiar, lembram muito o trio Soluço, Stoico e Valka - um paralelo quase direto que às vezes pode incomodar.
Mas essa familiaridade também faz parte da diversão, no fim das contas. Ochi conta a sua história com a dedicação de quem conhece e idolatra o caminho das pedras hollywoodiano, desde que ele deixe espaço o bastante para explorar algumas obsessões. Saxon está interessado, por exemplo, em entender como humanos se conectam e se misturam com a natureza, desenhando seus personagens (com boa assistência do ótimo trabalho de figurino, assinado por Elizabeth Warn) através das partes de humanidade que eles perderam ou vão perdendo para o mundo selvagem ao seu redor. E o elenco segue essa deixa, entregando performances que se misturam ao cenário não por serem transparentes ou monótonas, mas por se integrarem ao mundo de instinto e conflito criado por Saxon.
Ninguém se dá melhor nessa missão do que Willem Dafoe, é claro. Como o pai militarista da jovem Yuri, ele se joga no ridículo inerente deste homem velho e frágil que, por pura teimosia, segue lutando contra uma força natural muito maior do que ele. Quando chega a hora de escolher o que fala mais alto entre a mágoa enraizada que nutre contra o Ochi e o amor pela filha, a virada do personagem é repentina, mas não dá para dizer que não seja também inteiramente convincente dentro da caricatura que ele nos apresentou até então. Dafoe faz muito para nos convencer da credibilidade dessa história, mesmo que o seu diretor esteja muito mais interessado em um experimento de linguagem e visual essencialmente raso - mas também bastante charmoso.
No fim de suas ágeis 1h36 de exibição, The Legend of Ochi emerge como a prova cabal de que, com os atores certos e para o público certo, ter mais estilo do que substância não é lá um grande problema.
Ano: 2025
País: EUA/ Finlândia/ Reino Unido
Duração: 96 min
Direção: Isaiah Saxon
Roteiro: Isaiah Saxon
Elenco: Helena Zengel, Finn Wolfhard, Emily Watson, Willem Dafoe