Novo filme de Tainá é ótimo como musical, aventura e lição ambiental
Animação de Alê Camargo tem a leveza de uma produção bem estudada
Créditos da imagem: Cena de Tainá e os Guardiões da Amazônia - Em Busca da Flecha Azul (Reprodução)
Há em um estigma em torno da competência da animação brasileira - ou, a bem da verdade, da animação que vem de qualquer país fora do eixo EUA-Europa - que simplesmente não corresponde à realidade. Entende-se que nossos gráficos são amadores, bonecos 3D renderizados no estilo do primeiro PlayStation, movimentos duros e interações constrangedoras com as superfícies em que caminham. Entende-se, também, que nossa abordagem das histórias infantojuvenis é excessivamente condescendente, que não se faz narrativa sofisticada para os pequenos deste lado da Pixar. A cura para todas essas concepções equivocadas, no entanto, é muito simples: uma sessão de Tainá e os Guardiões da Amazônia - Em Busca da Flecha Azul.
O novo filme serve como spin-off e culminação da série de mesmo nome, que desde 2019 tem mantido a franquia Tainá viva nos canais de TV infantis e plataformas de streaming brasileiras. Não é preciso ter visto os mais de 40 episódios da série para acompanhar o longa, no entanto - o pique aqui é de história de origem. Na trama, a pequena indígena Tainá é treinada por uma sábia bicho-preguiça para se tornar a próxima Guardiã da Amazônia, cargo que vem com a responsabilidade de ajudar os bichos da floresta e combater o misterioso Jurupari, uma entidade maligna que quer destruir o bioma. Ansiosa, a heroína acaba perdendo a Flecha Azul, artefato poderoso que deveria ajudá-la nas suas missões como Guardiã, e o filme se concentra em seus esforços para recuperá-la, fazendo amigos animais pelo caminho e se chocando com o fazendeiro Jaime Bifão.
Uma das qualidades mais bacanas que Em Busca da Flecha Azul demonstra, já em seu primeiro ato, é ser um ótimo musical. Ajuda, é claro, que o filme tenha ninguém menos do que Fafá de Belém (a voz da mestra preguiça Aí) entoando sua primeiríssima canção, mas o fato é que todos os números deste Tainá não só fazem uma bela apresentação de ritmos brasileiros para o público infantil, como também desempenham funções muito claras dentro da trama. Há algo da estrutura do musical de palco clássico aqui: a protagonista Tainá ganha a sua canção de “I want”, expressando o desejo de se tornar Guardiã, mas também o isolamento que sente como única humana na floresta; o vilão Jaime entoa uma moda sertaneja grudentíssima (de Hamilton a Guerreiras do K-pop, não faltam musicais em que saímos assobiando as canções dos antagonistas, né?) para nos contar seu plano megalomaníaco de destruição da floresta; e por aí vai.
Por outro lado, Em Busca da Flecha Azul também demonstra excelência como aventura infantil, e a chave aí está tanto no roteiro, de Gustavo Colombo, quanto na direção assinada por Alê Camargo e Jordan Nugem. Vindo da equipe da série original, Colombo imprime um ritmo firme no desenvolvimento da trama, não fazendo pesar a metragem bem mais extensa do que os episódios da TV, e injeta os diálogos com um didatismo que não subestima a inteligência do público. As lições de Em Busca da Flecha Azul são claras, e as relações entre os personagens são estabelecidas em termos que não deixam dúvidas, mas o filme não se repete em demasiado, e tampouco remove inteiramente o conflito dramático de sua trama. Crianças são capazes de entender uma história e fixar as informações que importam para ela, argumenta o texto - com toda razão, é claro.
Camargo e Nugem, por outro lado, não trabalharam na versão televisiva de Tainá e os Guardiões da Amazônia, o que no fundo também se mostra uma escolha acertada da produção deste longa. Diante de um formato diferente, e com recursos diferentes, eles escolhem abraçar ideias visuais diferentes. Assim, a paleta de cores claras do desenho original é sutilmente escurecida, sem perder a vibrância; e os modelos dos personagens ganham mais detalhes, especialmente na expressividade dos olhos, nas texturas de seus corpos e “figurinos”. Nada parece inacabado ou subdesenvolvido neste Em Busca da Flecha Azul, evidência do trabalho de profissionais experientes na indústria (Camargo dirigiu As Aventuras de Fujiwara Manchester e Mundo Proibido, enquanto Nugem vem da franquia A Turma da Mônica).
O que sobra a Tainá e os Guardiões da Amazônia, enfim, é a leveza de uma produção bem estudada. Animação de qualidade, com os ponteiros acertados no campo do roteiro, uma boa noção dos gêneros em que está se metendo, e uma abordagem equilibrada das lições que tem para passar à criançada. E feita no Brasil. Só não vê quem não quer.
*Tainá e os Guardiões da Amazônia - Em Busca da Flecha Azul foi exibido no Festival de Cinema Sul-Americano de Bonito - Bonito CineSUR 2025. Fique de olho no Omelete para a cobertura completa.
Tainá e os Guardiões da Amazônia - Em Busca da Flecha Azul
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