Viva a música sem limites com Deezer!

Icone Conheça Chippu
Icone Fechar
Filmes
Crítica

Sombras de Um Crime é como toda femme fatale: belo, sedutor e inteiramente vazio

Filme com Liam Neeson faz pastiche alienante dos clássicos de detetive

Omelete
4 min de leitura
CC
06.04.2023, às 16H59.
Liam Neeson em cena de Sombras de Um Crime (Reprodução)

Créditos da imagem: Liam Neeson em cena de Sombras de Um Crime (Reprodução)

Se você sabe só uma coisa sobre o film noir, é provavelmente essa aqui: eles são lindos de olhar. Quando Hollywood estava enamorada pelo subgênero, por volta dos anos 1930 e 1940, construiu-se uma referência estética muito forte para ele - e essa referência sobreviveu até mesmo ao esfriamento dessa paixão, mantendo a ideia do film noir viva no imaginário popular com sua fotografia em preto e branco de alto contraste, seus jogos de luz e sombra temperamentais, seus homens de sobretudos surrados e chapéus impecáveis, suas mulheres envolvidas em seda, maquiadas e penteadas em ângulos severos.

Sombras de Um Crime tenta valentemente lançar um olhar contemporâneo para todas essas convenções estéticas. Em parceria com o talentoso diretor de fotografia espanhol Xavi Giménez (O Operário, Penny Dreadful), o cineasta Neil Jordan (Entrevista Com o Vampiro) adentra os ambientes suspeitos que são característicos do noir e, ao invés de optar por sombras e por preto e branco, os preenche de luzes coloridas estouradas que deixam à vista os entulhos e luxos de cada ambiente. Talvez a equipe criativa do filme tenha intuído que, nesses tempos de capitalismo tardio, a opulência transmite a sensação de decadência essencial ao noir melhor do que a economia.

Omelete Recomenda

Se você sabe duas coisas sobre o film noir, a segunda é provavelmente essa aqui: eles quase sempre têm uma femme fatale. O termo define a mulher moralmente corrupta que, nessas tramas, frequentemente tenta o protagonista com promessas de riqueza, fama ou sexo, apenas para revelar que tinha um objetivo próprio e obscuro desde o começo. Interpretada por figuras icônicas como Barbara Stanwyck e Lauren Bacall (inclusive em À Beira do Abismo, clássico inspirado na mesma série de livros que gerou Sombras de Um Crime), ela se tornou símbolo maior do mundo traiçoeiro desvelado pelo noir, dos impulsos egoístas e violentos que consomem os humanos no centro dessas histórias.

A femme fatale de Sombras de Um Crime é Diane Kruger, encarnando aqui o papel da herdeira Clare Cavendish, que contrata o nosso protagonista detetive Phillip Marlowe (Liam Neeson) para descobrir o paradeiro do seu amante, um vigarista envolvido na indústria cinematográfica. Como este último detalhe pode sugerir, no entanto, o longa não se engaja com o chavão da femme fatale de forma frontal - sua aproximação dessas e de outras características narrativas do noir é muito mais cínica, quase metatextual. O roteiro, do próprio Neil Jordan ao lado de William Monahan (Os Infiltrados), zomba da futilidade ardilosa da personagem de Kruger muito mais do que a utiliza para dizer algo sobre a perversidade que prospera no ser humano diante da necessidade de sobreviver.

Uma dimensão do filme ecoa na outra, é claro. A decisão de retirar o noir do mundo esparso e severo do cinema feito na Grande Depressão, de transferir seus crimes e depravações dos becos e bares da classe trabalhadora para os clubes exclusivos e mansões de Hollywood, expõe de maneira assustadora o coração oco do subgênero quando se trata de interações humanas. Não parece ser um acidente: mais do que uma atualização, Sombras de Um Crime é um simulacro de noir desenhado para expor a própria artificialidade, para testar se o charme da ambientação e a dexteridade estética de seu time criativo é o bastante para segurar uma história que não tem mais espaço no clima sociocultural em que foi produzida.

No fim das contas, essa aposta só funciona em partes. Sombras de Um Crime é um filme perenemente belo de se olhar, e há algo subversivamente excitante em seu mistério convoluto, sua abordagem elétrica das pouco frequentes cenas de ação, sua resolução inclementemente azeda. Trata-se, acima de tudo, de um filme astuto em todos os sentidos, bem versado na história do gênero em que trafega e ciente do próprio ponto de vista sobre os aspectos ultrapassados ou atuais dele.

O problema mesmo é que Sombras de Um Crime não acha tempo, disposição ou maneira de fazer sua brincadeira conceitual e, ao mesmo tempo, envolver o espectador em sua história. O resultado é que o filme é uma boa piada interna, que todo mundo parece se divertir contando - mas ninguém se dá ao trabalho de compartilhar a graça com a plateia.

Nota do Crítico

Sombras de Um Crime

Marlowe

2022
109 min
País: EUA
Direção: Neil Jordan
Roteiro: William Monahan, Neil Jordan
Elenco: Jessica Lange, François Arnaud, Danny Huston, Alan Cumming, Diane Kruger, Liam Neeson, Daniela Melchior
Onde assistir:
Oferecido por

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.