Stellan Skarsgard e Elle Fanning em Sentimental Value (Reprodução)

Créditos da imagem: Stellan Skarsgard e Elle Fanning em Sentimental Value (Reprodução)

Filmes

Crítica

Sentimental Value traça a ligação devastadora e calorosa entre a vida e a arte

Com Renate Reinsve e Stellan Skarsgard, novo filme do diretor de A Pior Pessoa do Mundo é um dos mais celebrados em Cannes

Omelete
5 min de leitura
23.05.2025, às 06H30.

Talvez a última vez que Nora (Renate Reinsve) tenha entrado num papel para se entender, não para se esconder, seja no texto que escreveu ainda na escola, quando foi encarregada de se imaginar como um objeto inanimado e imediatamente personificou a casa onde sua família mora há gerações. Vemos isso na abertura de Sentimental Valuee o maravilhoso filme de Joachim Trier encerra essa sequência mostrando Nora, já mais velha, relendo suas palavras mas desprezando-as, uma conclusão que é narrada enquanto a câmera mostra uma rachadura na parede. Se a garota havia virado a casa, aquela é a cicatriz que persiste em seu interior.

Mas a ferida não é exclusiva dela. Conforme Sentimental Value avança, percebemos que seus pais, sua avó e outros antepassados experimentaram depressão, morte e perseguição dentro daquelas salas, uma realidade que se infiltrou na arte da família. Se Nora usa as personagens que interpreta no teatro e televisão para fugir de si mesma, como define sua irmã mais nova Agnes (Inga Ibsdotter Lilleaas), seu pai – o cineasta Gustav Borg (Stellan Skarsgard, no papel de uma vida) – tem usado a experiência pessoal na arte há anos. Isso parece ter amadurecido nele – antes um homem de temperamento curto e palavras violentas que não facilitou a infância das filhas, especialmente depois de se divorciar da esposa, uma psiquiatra – uma consciência tardia, mas precisa. Mesmo sem acompanhar de perto a vida de Nora, seu retorno após a morte da ex-mulher vem acompanhado de uma preocupação pela filha. É como se ele sentisse que a lesão havia passado para ela. Logo, perceberemos que ele não está errado.

Numa das conversas com a filha, que se recusa a aceitar o papel principal de seu novo filme, Borg – que diz ter escrito o roteiro pensando nela, mas tirado inspiração do suicídio da mãe, uma sobrevivente da tortura nazista – diz que Nora está cheia de raiva. Falta misericórdia nela. É como se os ferimentos tivessem enchido sua alma de ira, o que, segundo Borg, não é bom para o amor e nem para a arte. Esse paralelo, entre o que vivemos e o que expressamos pela criatividade, é a força animadora de um filme que brilha não só borrando a linha entre realidade e ficção, como nos transportando de uma para a outra.

Diversas cenas de Sentimental Value começam dentro de uma dessas dimensões e entram na outra. Depois da conversa com o pai descrita acima, Nora vai para casa com um turbilhão de emoções, e quando Trier corta para sua entrada num cômodo – que instantaneamente pensamos ser seu quarto – vamos para uma cena de teste para uma peça. O momento requer justamente que a atriz caia em prantos. Em outro exemplo, Trier nos transporta para a Segunda Guerra Mundial. Trata-se do clímax de um filme celebrado de Borg, onde uma jovem Agnes interpreta uma garota fugindo dos nazistas. Além de novamente sugerir como o cineasta se relaciona com a família através do que cria, essa exibição também faz Rachel Kemp (Elle Fanning como uma estrela hollywoodiana) se apaixonar pelo cinema do noruguês. Se Nora não quer interpretar a nova protagonista do pai, Rachel está mais do que disposta a fazê-lo.

Assim como sabemos instintivamente que Rachel não é a pessoa certa para aquele projeto, ela também destoa do resto de Sentimental Value. Fanning é impressionante, e se revela uma parceira de cena surpreendente para Skarsgard, mas Rachel não é escrita com a mesma profundidade de Nora, Gustav e Agnes. Seja pensando neles como unidade familiar, ou traçando os relacionamentos específicos de um com o outro, o roteiro de Trier encontra na personalidade de cada um o combustível dramático para o longa. Seria fácil transformar Sentimental Value num filme sobre o poder do cinema, mas a verdade é que essa história sobre a relação intrínseca de quem somos como pessoa e como isso influencia o que fazemos funciona justamente pela especificidade com a qual o cineasta aborda os procedimentos. A dinâmica particular de Nora, Agnes e Gustav com o próximo e com a experiência artística não só justifica a forma como Sentimental Value usa a arte para tratá-los, confrontá-los e curá-los, como evita que isso se aproxime de uma ideia genérica ou barata.

É de imensa ajuda contar com as atuações do trio Reinsve, Skarsgard e Lilleaas. Os três comunicam décadas de arrependimentos, perda e memórias com seus olhares e gestos, não só aprofundando a interioridade de cada membro da família Borg como conferindo aos movimentos narrativos de Sentimental Value uma lógica emocional ímpar. Tudo no filme está pautado no que conhecemos de cada um deles, de como eles lidam com a arte e com suas profissões – Agnes ser historiadora ajuda a sublinhar os temas do filme como algo presente na árvore familiar daquele lar. Isso faz de Sentimental Value uma experiência tão devastadora quanto calorosa, identificando as emoções postas em telas não em como Trier arquiteta seu texto, mas como a conclusão inevitável de quem Nora, Agnes e Gustav são.

Tudo isso é amarrado com uma cena que, devido a tudo que lhe antecede, está carregada de camadas. Uma que transcende Sentimental Value e ecoa por dentro dos corredores daquele lar. Se Joachim Trier inicia o filme personificando a casa de Nora como um espelho dela, o encerramento traz uma rima poética. Ela, e aquele lugar, foram transformados através da arte. Assistindo ao filme, passamos por algo semelhante.

Nota do Crítico
Excelente!

Sentimental Value

Affeksjonsverdi

Ano: 2025

País: Noruega, Alemanha, Dinamarca, França, Suécia

Duração: 132 min

Direção: Joachim Trier

Roteiro: Joachim Trier, Eskil Vogt

Elenco: Stellan Skarsgård , Elle Fanning , Renate Reinsve

Onde assistir:
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