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Crítica

Resurrection forma um caleidoscópio tão hipnotizante quanto indecifrável

Diretor de Longa Jornada Noite Adentro, Bi Gan faz passeio experimental pela história do cinema

Omelete
4 min de leitura
24.05.2025, às 08H00.
Cena de Resurrection (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de Resurrection (Reprodução)

Começa como um filme mudo. Sets desenhados, músicas ditando o ritmo e cartões de texto nos dão as primeiras, e únicas, informações sobre o mundo de Resurrection, o mais novo filme do diretor chinês Bi Gan, famoso por suas experimentações como um plano-sequência de quase uma hora em Longa Jornada Noite Adentro. Há outro neste filme, mas ainda não é hora de falar dele. Há muito (muito) caminho pela frente. Voltemos para a gênese do cinema.

Quando Resurrection começa, acompanhamos uma mulher chamada Miss Shu (Shu Qi). Ela vive num mundo alternativo onde humanos descobriram a chave para viver eternamente – basta não sonhar. Ainda há aqueles que se perdem em devaneios, porém. Estes se chamam Fantasmes, e quanto mais permanecem no reino de Morfeu, mais passam a achar a realidade insuportável, o que gradativamente os transforma em monstros que parecem um cruzamento entre o Conde Orlok de Nosferatu e o visual final de Elisabeth Sparkle em A Substância. O Fantasme que Shu está caçando agora já está nesse estágio, e para derrotá-lo a mulher decide transformar seu olho num espelho para que ele veja o quão feio ele é. A tática é eficaz, mas talvez rude demais. Vendo a criatura sofrendo no chão, Shu decide levá-lo consigo para garantir que ele tenha uma morte agradável.

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O perecimento que ela tem em mente começa quando a mulher insere um rolo de filme no que seria a coluna vertebral do monstro. As cartas de título nos informam que, para comunicar com ele, Shu usará a arte perdida do cinema – a primeira das poucas sugestões que Resurrection oferece sobre a intenção artística do que vem a seguir: quatro histórias do Fantasme ressuscitando em épocas diferentes, encenadas por Bi Gan com o visual e o estilo de filmes realizados nos momentos dramatizados em seu caleidoscópio experimental, hipnotizante e indecifrável.

Em todas as narrativas – um suspense de espião durante a guerra, uma meditação sobre o budismo nas montanhas, um drama de pai e filha focado em dinheiro e, de longe o melhor, a noite da virada de 1999 para 2000, palco de uma luta contra vampiros iluminada em neon e apresentada inteiramente sem cortes – o protagonista é interpretado sempre por Jackson Yee, mas quaisquer outras conexões entre elas, ou entre esses recortes, que existam além da escalação nunca se fazem aparentes. Ainda capaz de invocar uma imagem hipnotizante aqui e ali, Bi Gan parece observar sua versão de um Histórias do Cinema simplesmente como um exercício visual e tonal, e se seu único argumento nisso tudo é que o cinema nos faz sonhar, nos transporta para outros lugares e eras, nos coloca na pele de outras pessoas e muda com o passar do tempo… bom, ele certamente construiu algo bastante complicado para falar algo que Godard e muitos outros já expressaram.

Por isso, Resurrection acaba sendo uma experiência decepcionante. Ao fim da narrativa, quando o monstro retorna – numa belíssima sequência onde Shu, que é sua mãe (eu confesso: não entendi) coloca o visual bizarro de volta nele como se estivesse o maquiando num set – Resurrection ou não sabe comunicar quaisquer conclusões tiradas de seu passeio temporal, ou não tem mais nada a falar.

Mais danoso, porém, é como cada segmento fracassa em seus próprios méritos. Se Bi Gan tivesse construído um bom filme de espião ou uma boa fábula espiritual, por exemplo, a falta de um fio conferindo significado à obra como um todo importaria menos. A exceção realmente é o último capítulo. Filmado, sim, num plano-sequência, ele é mais impressionante pela coloração vermelha que banha quase todas as suas cenas, e por como – mesmo sem dar aos personagens o mínimo de uma vida interior para que nos importemos com eles, um problema que persiste ao longo de Resurrection – Bi Gan é eficaz em comunicar o melodrama de um humano e uma vampira apaixonados no fim do mundo.

Trata-se, porém, de um pedido custoso. Resurrection demanda de nós a interpretação, paciência e curiosidade de um diretor indisposto ou incapaz de comunicar tudo isso. Talvez alguns vejam algo de valor do outro lado dessa pintura, mas só o que encontrei foram instâncias de vida num filme feito por um artista claramente interessado em se desafiar, e levar o público junto nessa longa jornada cinema adentro.

Nota do Crítico

Resurrection

Resurrection

2025
160 min
País: China
Direção: Bi Gan
Roteiro: Bi Gan
Elenco: Sho Qi, Jackson Yee, Shu Qi, Shu Qi
Onde assistir:
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