Cena de Rebuilding (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de Rebuilding (Reprodução)

Filmes

Crítica

Para o belo Rebuilding, lar é o lugar onde está sua história

Drama gentil com Josh O’Connor é um dos melhores filmes de Sundance 2025

Omelete
4 min de leitura
31.01.2025, às 10H00.

Vai ser difícil para o público e a crítica estadunidenses processarem Rebuilding como algo além de “o filme que precisamos neste momento”. Lançado no Festival de Sundance 2025, meros dias após os incêndios florestais que devastaram a região de Los Angeles (EUA) - muita gente que estava no evento, vale lembrar, chegou lá justamente da região da Califórnia, o centro nervoso da indústria de entretenimento do país -, o longa de Max Walker-Silverman tem uma premissa chocantemente corrente: Dusty (Josh O’Connor), um caubói do interior dos EUA, vê seu rancho ser destruído por um incêndio florestal e acaba indo parar em um acampamento governamental, onde constrói laços com outros desabrigados e se reconecta com a filha, a introvertida Callie (Lily LaTorre).

O filme, essencialmente, é isso. Walker-Silverman, como já tinha ficado claro no seu longa anterior (o também excelente A Love Song, de 2022), não é afeito a grandes reviravoltas de trama, nem atos melodramáticos que transformam a vida de seus personagens radicalmente. Nas obras do cineasta, a vida se move no ritmo gentil da brisa quente das vastas planícies do Meio-Oeste dos EUA, sem nunca trair as mudanças sísmicas, as mágoas profundas, e as libertações definitivas que vão se construindo no mundo interior dos personagens. O padrão que surge entre seus dois filmes é claro: aqui estão pessoas que vão se deixando levar pelo acaso, até o momento em que precisam fazer uma escolha definitiva entre isolamento e comunidade.

Nesse sentido, se A Love Song era uma história de quebrar o coração sobre aqueles que escolhem o isolamento (e há certa nobreza nisso, argumenta o filme), Rebuilding faz um díptico bonito com ele ao centrar um personagem que elege o caminho contrário. Melhor ainda, o texto de Walker-Silverman é contundente em revelar os motivos por trás dessa escolha: como Dusty poderia virar as costas para tudo isso, parece perguntar o diretor, após nos revelar a riqueza histórica que o personagem ainda carrega, mesmo tendo perdido tanto dessa história para o fogo. Sempre há álbuns de fotografia que conseguimos salvar, pedaços de terra intocados onde nossos entes queridos estão enterrados, parentes que nos passam histórias e relíquias com as quais nos cercamos na esperança de construir um senso de nós mesmos apoiado nelas.

Com a ajuda do diretor de fotografia mexicano Alfonso Herrera Salcedo, Walker-Silverman passa boa parte da 1h35 de Rebuilding encontrando e sublinhando todas essas relíquias. O longa está salpicado de planos-detalhe - plantas no canto da sala, sapos de cerâmica no jardim, potes de plástico cuidadosamente empilhados na pia, fotos antigas coladas na porta do armário, e por aí vai -, e é através deles que vai construindo, convincentemente, essa ideia de um universo que é impossível de abandonar. E que interessante que, diante de tantas histórias de imigração e amadurecimento que glorificam a ideia de “ir embora e encontrar o seu lugar no mundo”, Rebuilding faz elegia aos lugares em que já nos encontramos, e acha o seu conflito na ideia de ser obrigado a ir embora deles.

Nesse contexto, Josh O’Connor é talvez um protagonista menos eficiente do que Dale Dickie, que emprestou tanto de sua alma a A Love Song - mas são poucos os atores que não receberiam a mesma distinção. Como Dusty, o ator de Rivais e The Crown se esforça valorosamente para fugir do magnetismo de astro em ascensão e encontrar algo de verdadeiro no núcleo inerte de um personagem à deriva. Por sorte, ele tem uma parceria valiosa na jovem Lily LaTorre, atriz mirim australiana que surpreende ao trazer para a tela, com clareza alarmante, as hesitações e entregas de uma jovem com ressentimentos perfeitamente compreensíveis. Que esta menina sinta a necessidade de se proteger de alguma decepção difusa é de quebrar o coração, o que faz com que os triunfos e liberações em seu caminho sejam também mais doces.

Tudo isso é para dizer, é claro, que Rebuilding é mais do que o seu timing tragicamente oportuno. Sua história de tragédia e procura por saída, seu argumento pela perseverança (social e, vamos lá, geográfica), sua celebração de comunidade como grupo de indivíduos entrelaçados historicamente a um lugar… tudo isso conversa com gente de todo canto. Walker-Silverman, exatamente como fez em A Love Song, mergulha em uma história profundamente Meio-Oeste estadunidense só para propor um faroeste contemporâneo que abrace a humanidade comum que existe por lá. Como artista, ele está menos interessado em fazer mitos, e mais interessado em entender a vida deles.

O resultado em Rebuilding é uma história de beleza profunda, que se insinua com gentileza por um caminho dramático que funciona em qualquer contexto no qual for assistido de coração aberto.

Nota do Crítico
Excelente!
Rebuilding
Rebuilding

Ano: 2025

País: EUA

Duração: 95 min

Direção: Max Walker-Silverman

Roteiro: Max Walker-Silverman

Elenco: Josh O'Connor, Amy Madigan, Lily LaTorre, Kali Reis, Meghann Fahy

Onde assistir:
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