Vai ser difícil para o público e a crítica estadunidenses processarem Rebuilding como algo além de “o filme que precisamos neste momento”. Lançado no Festival de Sundance 2025, meros dias após os incêndios florestais que devastaram a região de Los Angeles (EUA) - muita gente que estava no evento, vale lembrar, chegou lá justamente da região da Califórnia, o centro nervoso da indústria de entretenimento do país -, o longa de Max Walker-Silverman tem uma premissa chocantemente corrente: Dusty (Josh O’Connor), um caubói do interior dos EUA, vê seu rancho ser destruído por um incêndio florestal e acaba indo parar em um acampamento governamental, onde constrói laços com outros desabrigados e se reconecta com a filha, a introvertida Callie (Lily LaTorre).
O filme, essencialmente, é isso. Walker-Silverman, como já tinha ficado claro no seu longa anterior (o também excelente A Love Song, de 2022), não é afeito a grandes reviravoltas de trama, nem atos melodramáticos que transformam a vida de seus personagens radicalmente. Nas obras do cineasta, a vida se move no ritmo gentil da brisa quente das vastas planícies do Meio-Oeste dos EUA, sem nunca trair as mudanças sísmicas, as mágoas profundas, e as libertações definitivas que vão se construindo no mundo interior dos personagens. O padrão que surge entre seus dois filmes é claro: aqui estão pessoas que vão se deixando levar pelo acaso, até o momento em que precisam fazer uma escolha definitiva entre isolamento e comunidade.
Nesse sentido, se A Love Song era uma história de quebrar o coração sobre aqueles que escolhem o isolamento (e há certa nobreza nisso, argumenta o filme), Rebuilding faz um díptico bonito com ele ao centrar um personagem que elege o caminho contrário. Melhor ainda, o texto de Walker-Silverman é contundente em revelar os motivos por trás dessa escolha: como Dusty poderia virar as costas para tudo isso, parece perguntar o diretor, após nos revelar a riqueza histórica que o personagem ainda carrega, mesmo tendo perdido tanto dessa história para o fogo. Sempre há álbuns de fotografia que conseguimos salvar, pedaços de terra intocados onde nossos entes queridos estão enterrados, parentes que nos passam histórias e relíquias com as quais nos cercamos na esperança de construir um senso de nós mesmos apoiado nelas.
Com a ajuda do diretor de fotografia mexicano Alfonso Herrera Salcedo, Walker-Silverman passa boa parte da 1h35 de Rebuilding encontrando e sublinhando todas essas relíquias. O longa está salpicado de planos-detalhe - plantas no canto da sala, sapos de cerâmica no jardim, potes de plástico cuidadosamente empilhados na pia, fotos antigas coladas na porta do armário, e por aí vai -, e é através deles que vai construindo, convincentemente, essa ideia de um universo que é impossível de abandonar. E que interessante que, diante de tantas histórias de imigração e amadurecimento que glorificam a ideia de “ir embora e encontrar o seu lugar no mundo”, Rebuilding faz elegia aos lugares em que já nos encontramos, e acha o seu conflito na ideia de ser obrigado a ir embora deles.
Nesse contexto, Josh O’Connor é talvez um protagonista menos eficiente do que Dale Dickie, que emprestou tanto de sua alma a A Love Song - mas são poucos os atores que não receberiam a mesma distinção. Como Dusty, o ator de Rivais e The Crown se esforça valorosamente para fugir do magnetismo de astro em ascensão e encontrar algo de verdadeiro no núcleo inerte de um personagem à deriva. Por sorte, ele tem uma parceria valiosa na jovem Lily LaTorre, atriz mirim australiana que surpreende ao trazer para a tela, com clareza alarmante, as hesitações e entregas de uma jovem com ressentimentos perfeitamente compreensíveis. Que esta menina sinta a necessidade de se proteger de alguma decepção difusa é de quebrar o coração, o que faz com que os triunfos e liberações em seu caminho sejam também mais doces.
Tudo isso é para dizer, é claro, que Rebuilding é mais do que o seu timing tragicamente oportuno. Sua história de tragédia e procura por saída, seu argumento pela perseverança (social e, vamos lá, geográfica), sua celebração de comunidade como grupo de indivíduos entrelaçados historicamente a um lugar… tudo isso conversa com gente de todo canto. Walker-Silverman, exatamente como fez em A Love Song, mergulha em uma história profundamente Meio-Oeste estadunidense só para propor um faroeste contemporâneo que abrace a humanidade comum que existe por lá. Como artista, ele está menos interessado em fazer mitos, e mais interessado em entender a vida deles.
O resultado em Rebuilding é uma história de beleza profunda, que se insinua com gentileza por um caminho dramático que funciona em qualquer contexto no qual for assistido de coração aberto.
Ano: 2025
País: EUA
Duração: 95 min
Direção: Max Walker-Silverman
Roteiro: Max Walker-Silverman
Elenco: Josh O'Connor, Amy Madigan, Lily LaTorre, Kali Reis, Meghann Fahy