Durante sua introdução à sessão de estreia mundial de Rabbit Trap no Festival de Sundance 2025, o chefe de programação do evento definiu o longa de Bryn Chainey como uma explosão de horror cósmico: “Isso aqui vai ser grande, e barulhento”. Ele não estava errado, mas os fãs do subgênero de terror definido pelo trabalho de H.P. Lovecraft não serão os únicos a encontrar algo de familiar (e envolvente) em Rabbit Trap. Suas sugestões de seres místicos além da nossa compreensão, que se infiltram em nosso mundo com consequências existencialmente assustadoras, também aproximam o longa de algo folclórico - até por sua ambientação no interior profundo do País de Gales, essa é uma história de bruxas e fadas e duendes, em suas encarnações primordiais mais sombrias e intocadas pela cultura pop que as transformou em zombaria.
Ou seja: além de Lovecraft, Rabbit Trap também é (a grosso modo) um pouco A Bruxa. Como o filme de Robert Eggers, essa é a história de uma família isolada, assombrada por tudo que não conseguem dizer uns para os outros, que são obrigados a sair dessa inércia ao se encontrar com uma criatura que desvela o medo e a carência viscerais que nós, como humanos (mais ou menos) contemporâneos, aprendemos a reprimir. E Chainey, como Eggers, recorre à natureza para criar imagens fantasmagóricas - as sombras se infiltrando pelos galhos e folhas das árvores, a luz entrando ofuscante pelas frestas entre as pedras da cavernas, os segredos que se escondem num círculo perfeito de cogumelos arranjados, como que por mágica, no meio de uma clareira na floresta.
A diferença, é claro, é que Chainey leva essa relação da natureza com o horror um pouco mais longe, e é aí que entra o “cósmico” da coisa toda. Com a ajuda inestimável do diretor de fotografia Andreas Johannessen (A Pior Pessoa do Mundo) e da designer de produção Lucie Reid (Vingança Muda), o cineasta mergulha em um mundo de musgos, insetos e gosmas invasoras dos espaços “civilizados” onde se passa a sua trama - e, no design de som que é tão essencial para ela (o casal protagonista, afinal, é formado por uma musicista alternativa e o seu marido-assistente fascinado por captar sons da natureza), o filme trata de ampliar e sugerir ainda mais cruzamentos entre o folclórico e o cósmico, evocando uma força corruptora primordial que, no fim das contas, talvez seja até mais terrena do que todos nós.
Melhor ainda, Rabbit Trap entrelaça esses horrores em uma história de desejos profundos e traumas indizíveis (mas não inaudíveis) que tem tudo a ver com eles. Darcy (Dev Patel) tem pesadelos que escondem um segredo há muito reprimido; Daphne (Rosy McEwen) luta com um tédio existencial, uma inércia artística, uma solidão a dois, que a sufocam; e a criança que aparece no quintal da casa dos dois (Jade Croot) chega para suprir essas duas necessidades, obrigá-los a trazer esses sentimentos inconfessáveis à frente - ou morrer tentando. Afinados como trio, os atores de Rabbit Trap estão sempre jogando um jogo de aproximação e distanciamento, definindo a dinâmica de poder de cada cena enquanto articulam, com intensidade exemplar (e Croot é o destaque aqui, inevitavelmente) as agonias de cada personagem.
Estreante em longas, Chainey desenha esse arco de revelação com a obliquidade de um autor que sabe estar ganhando notoriedade na era do “horror elevado”. Porque sim, Rabbit Trap é um daqueles filmes de terror “sobre trauma”, e os momentos em que ele se esquiva dos confrontos diretos com o gênero em que se encontra, fazendo curvas e curvas de trama, picotando continuidades só para não “perder a seriedade”, são os seus mais frustrantes. Mas… essa é também a obra de um cineasta claramente conectado com as imagens que procura, e com o que elas dizem sobre a humanidade de seus personagens - e, no fim das contas, essa conexão fala mais alto do que os truques estilísticos cansados que ele emprega.
Já é mais do que se pode dizer da safra recente de thrillers da A24.
Ano: 2025
País: EUA/Reino Unido
Duração: 97 min
Direção: Bryn Chainey
Roteiro: Bryn Chainey
Elenco: Jade Croot, Rosy McEwen, Dev Patel