Querido Mundo reforça que, às vezes, só precisamos de um romance à moda antiga
Miguel Falabella adapta sua peça homônima com frescor e sensibilidade
Créditos da imagem: 02 Play/Divulgação
Autor versado nos palcos de teatro, Miguel Falabella pouco se aventurou como diretor de cinema antes de Querido Mundo. O projeto é apenas o terceiro longa-metragem de sua carreira, mas leva consigo elementos que apenas um verdadeiro apaixonado pela sétima arte poderia proporcionar. Ao adaptar sua peça homônima, escrita em parceria com Maria Carmen Barbosa, Falabella toma o cuidado não apenas de atualizar o texto com frescor, mas manter o que a fez tão aclamada: a sensibilidade ao provocar emoções através do afeto de encontros.
Na trama, uma dupla de perdedores vêem seus caminhos cruzarem pelo acaso, após ambos saírem - forçados ou não - de relacionamentos tóxicos. Elsa (Malu Galli) é uma mulher fraca e submissa ao marido agressivo (Marcelo Novaes), enquanto Oswaldo (Eduardo Moscovis) foi enxotado para fora de casa pela esposa (Danielle Winits) após anos em um casamento infeliz. As circunstâncias do destino os colocam frente a frente ao se mudarem para um prédio cuja construção está inacabada, e de uma quase tragédia nasce o mais belo dos encontros - isso, claro, evocando o que nós, enquanto sonhadores e amantes, sempre pensamos de amor romântico.
Para contar a história do amor improvável de Elsa e Oswaldo, Falabella cria uma fábula inspirada nos filmes italianos dos anos 1940. As referências parecem óbvias - a fotografia em preto e branco de Gustavo Hadba remete às obras de Fellini e Pasolini, enquanto a montagem e direção de arte de Tulé Peake reflete o cenário claustrofóbico de Se Meu Apartamento Falasse para registrar a dinâmica do casal dentro das ruínas do flat explodido da protagonista. O contraste com a trilha habilmente trabalhada por Plínio Profeta nos leva de volta à época dos meet cute da velha Hollywood, sem o cinismo ou o melodrama exagerado que povoam algumas obras mais recentes.
Por ser a adaptação de uma peça de sua autoria, Falabella não se priva de manter algumas passagens intactas da linguagem dramatúrgica do teatro. Parte do humor do filme claramente teria funcionado melhor com as pausas necessárias para a resposta da plateia, mas isso não chega a ser uma pedra no meio do caminho. Nem todo bom romance é feito apenas de perfeições, e a suspensão da descrença se faz necessária em momentos chave do roteiro. Isso diminui Querido Mundo como obra? De maneira nenhuma.
O uso da fotografia em preto e branco reforça a melancolia da vida destes personagens. Sem luz, sem cores, sem esperança; nas palavras do próprio diretor, é brincar com a máxima de que, quando se olha para o abismo por muito tempo, ele acaba olhando de volta. Tanto Elsa quanto Oswaldo estão olhando para seus próprios abismos, mas um bom romance é capaz de criar conexão o bastante com o espectador para que torçamos pelo encontro inesperado, pelo respiro na vida sufocante destes dois. Falabella compreende isso e acerta ao criar leveza nos momentos mais oportunos com a injeção de seu humor teatral, mesmo quando há um cadáver ao lado escondido por baixo de lençóis.
Se nem gigantes do cinema como Capra ou Kubrick agradaram a todos, por que Miguel Falabella teria que ceder ao gosto do grande público ou, pior ainda, dos cinéfilos de plantão? Acompanhar a jornada de Oswaldo e Elsa é caminhar lado a lado de alguém que, assim como muitos, só quer ser ouvido. É criar afeto via empatia e entender que, às vezes, tudo o que nós precisamos (ou queremos?) é de um romance à moda antiga.