Quando o Céu se Engana é comédia simpática com a bênção do anjo Keanu Reeves
Ao lado de Seth Rogen, Aziz Ansari leva seu texto afiado para o cinema
Muito se fala sobre o vazio que a Netflix deixou com o fim de Mindhunter, mas pouco se discute sobre uma das melhores produções do streaming: Master of None. A comédia criada por Aziz Ansari teve apenas duas temporadas — e um spin-off focado na personagem de Lena Waithe — e foi aclamada por sua comédia rápida e moderna, que falava de relacionamentos e questões do cotidiano com franqueza e ironia. Após um tempo afastado da mídia e dedicado aos seus shows de stand-up, o comediante de Parks and Recreation está de volta, agora aos cinemas, acompanhado de Seth Rogen, Keke Palmer e Keanu Reeves, com Quando o Céu se Engana.
O filme conta a história de Arj (Ansari), um roteirista de documentários que não consegue trabalho na profissão que escolheu e acaba como “faz-tudo” para um aplicativo de serviços. Frustrado, ele recebe um chamado para organizar a garagem do milionário Jeff (Rogen). Por um erro de Gabriel (Reeves), “anjo da guarda dos que mandam mensagens de texto enquanto dirigem”, Arj acaba trocando de vida com Jeff, e os dois têm que viver os prós e contras dos cotidianos do outro. Quando o Céu se Engana passa, então, a ser uma mistura de Master of None com Asas do Desejo, de Wim Wenders, e Sexta-Feira Muito Louca.
A grande força do filme está em seu trio principal. Se o plot da troca de vidas é batido e o discurso sobre aprender a valorizar o próprio caminho parece com papo barato de coach, Ansari, que também assina o roteiro, acerta ao misturar o protagonismo das histórias de Arj e Jeff. Se, na primeira metade, acompanhamos o lado da frustração de quem quer se dar bem em um mundo sem esperanças, na outra seguimos o lado de quem tem tudo, perde e precisa entender um mundo que apenas via de cima. Tudo isso é costurado pela obstinação do anjo que mete os pés pelas mãos e, como punição, deve viver no meio dos homens.
Herói da ação e da pancadaria nos últimos anos com John Wick, Keanu Reeves volta a abraçar seu lado cômico, com ares de Bill & Ted, para se tornar o coadjuvante perfeito de Ansari e Rogen. O anjo vai trocando a ingenuidade e a vontade de fazer o bem pela frustração e o amargor, conforme entende o dia a dia do nosso mundo. Prazeres como dançar ou comer um hambúrguer dão ao astro pequenos momentos para brilhar, mas que nunca fogem da premissa do filme. Ao colocar Gabriel na Terra, Ansari utiliza a figura angelical como um guia acidental para a trama e as motivações dos mortais.
Logo de cara, o diretor deixa claro que o sonho americano está longe de existir para todos. As primeiras imagens do filme, passado em Los Angeles, mostram a crise de habitação que a cidade e os EUA vivem. Sob o olhar de Arj, esse sonho só existe para privilegiados como Jeff, e Ansari toma todo o tempo que precisa — mesmo com o filme tendo pouco mais de 90 minutos — para que o espectador entenda isso. Acompanhamos Arj em diversos trabalhos, questões com a família, encontros em que ele não tem como bancar a refeição, até que toma uma atitude questionável. Ao ter um vislumbre de seu futuro ali, a direção da história muda e seguimos com Jeff. O que poderia ser um revanchismo acaba se tornando uma simpática história de reflexão sobre o estado atual da sociedade.
Ainda que recaia em um discurso barato em seus momentos finais, que parece até desligado do que vinha sendo falado até ali, Quando o Céu se Engana é uma comédia que não reinventa nada no gênero, mas é um bom exemplo da transição da linguagem de Aziz Ansari da TV para o cinema. Um filme curto, com qualidade técnica de cinematografia e edição, que surpreende pela atenção que dá aos seus três personagens centrais. Uma boa comédia, com as situações constrangedoras que o diretor adora criar e que, só por saber colocar boas piadas nas mãos de Keanu Reeves, já merece proteção divina.
Quando o Céu se Engana
Good Fortune
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