Peterloo carrega sua ironia intrínseca já no título, um trocadilho com Waterloo, onde os britânicos derrotaram as tropas de Napoleão. Essa história, porém, não é sobre as glórias do Reino Unido, mas sobre um grande erro. Em 1819, uma manifestação pacífica em Manchester a favor da reforma parlamentar foi transformada em um massacre.
Mike Leigh assume a narrativa deixando claro o ponto de vista desde a primeira cena. Entre explosões e feridos, um jovem corneteiro do exército busca o seu caminho para casa. Lá encontra uma realidade de muitas horas de trabalho e pouca comida na mesa. Enquanto isso, o parlamento discute a bonificação do Duque de Wellington e magistrados se preparam para conter uma grande ameaça ao império britânico: o desejo do homem comum.
A construção desse contexto é demorada, tempo que serve à trama, mas é igualmente cansativo. A retórica e a burocracia britânica são importantes peças do Massacre de Peterloo e Leigh toma todo tempo necessário para escancarar o ridículo de uma nação educada e cheia de bons modos, mas incapaz de sentir empatia. Assim, a câmera aproveita cada segundo de longos discursos, da superioridade que a palavra dá a quem julga saber usá-la. Aquele capaz de articulá-la, mesmo que não seja compreendido, detém o direito de fala e opinião.
Para amparar tantos discursos, Leigh usa a tela como uma pintura. Planos quase estáticos casam com a aura teatral do longa. Os personagens, deliberadamente posicionados, entram e saem dos cenários como se deixassem o palco. A montagem se limita a esse conceito, o que torna o ritmo do longa ainda difícil. A narrativa é construída em um crescendo - um fato leva a outro, que leva a outro até o massacre -, mas Peterloo ganha intensidade apenas no momento final. A recriação no terceiro ato, contudo, justifica as escolhas do diretor. Quando todos estão reunidos no campo de St. Peter em Manchester - povo, políticos, nobres, magistrados e empresários - cada ato de violência ganha importância.
“Algumas coisas vão melhorar, outras vão continuar iguais”, diz o tecelão para sua esposa. É a síntese do significado de Peterloo, entre os desejos por mudanças do povo e a ganância de quem detém o poder. A ironia é que, apesar de algumas melhoras, a natureza humana permanece a mesma, em 1819 ou 2018.
Ano: 2018
País: Reino Unido