Pequenas Criaturas é sensível filme de férias com ótima Carolina Dieckmann
Filme de Anne Pinheiro Guimarães captura pessoas à deriva em Brasília, no verão de 1986
Créditos da imagem: Filmes do Estação
O título de Pequenas Criaturas (2025) pode se referir aos insetos que a diretora Anne Pinheiro Guimarães filma aqui e ali na terra quente de Brasília sob um sol impiedoso. Essas cenas servem quase como momentos de pausa. Um respiro. Elas são inseridas como intervalos que pontuam a pequenez de viver naquela cidade, simultaneamente futurista e abandonada, em 1986. Não seria um exagero, porém, supor que o título também se refere às pessoas que protagonizam essa sensível história de verão.
Afinal de contas, não são poucas as vezes que vemos a família formada por Helena (Carolina Dieckmann, melhor do que nunca), André (Théo Medon, perfeito no papel) e Dudu (Lorenzo Mello, uma estrela mirim instantânea) em planos que os deixam parecendo tão minúsculos como insetos. Guimarães frequentemente localiza os três – que se mudaram para a capital brasileira um ano após o fim da ditadura por causa do trabalho do marido de Helena e pai dos garotos, um homem tão ausente na tela quanto na vida cotidiana dos dois – no meio de grandes espaços, construções e avenidas. Elementos visuais que muito os superam em tamanho. Pequenos, afinal de contas, é como eles se sentem. Num local onde não conhecem ninguém, onde não queriam estar, onde não sabem para onde ir.
Pouco a pouco, porém, isso vai mudando. Vizinhos, amigos e paqueras surgem para fazer companhia ao trio, e traçando esses relacionamentos, a diretora constrói um cuidadoso e caloroso mix de filme de amadurecimento, de férias e família. Pequenas Criaturas é dirigido com leveza, dando espaço para os momentos mais dramáticos mas também oferecendo risadas necessárias, e quase nunca perde o controle do tom desejado, eventualmente nos levando a uma conclusão que une diversas figuras do condomínio onde Helena, André e Dudu moram numa reunião digna de lágrimas felizes.
Seus vizinhos, aliás, são sempre marcantes. Letícia Sabatella é hilária como Ângela, uma mulher interessada (talvez até demais) em Helena; Acauã Alves diverte como Marcão, com quem André forja uma amizade divertidíssima; Caco Ciocler conquista como Carlos, um homem com H também interessado em Helena, enquanto a humanidade vulnerável de Fernando Eiras salva Milton, um morador para lá de estranho do prédio, de ser o grande equívoco do filme.
Pequenas Criaturas, como seus personagens, sofre para preencher o longo vácuo temporal que surge de viver as férias de janeiro num local onde não há nada para fazer. Depois de uma ótima introdução, o filme sofre um pouco e acaba girando em círculos enquanto busca expressar a mazela daquele calor seco. É, por outro lado, algo apropriado para uma narrativa sobre pessoas à deriva, buscando conexão e conforto em estranhos que estavam igualmente desesperados para encontrá-los.
Bom, há uma exceção a isso tudo. O pequeno Dudu, às vésperas de completar oito anos, não gasta um segundo sequer no modo ocioso. Ele está fascinado por Planeta dos Macacos e Guerra nas Estrelas*, tem certeza que encontrou um palito premiado num picolé e, quando não está colecionando tampinhas, mantém os olhos fixados no céu em busca de discos voadores. Sua caracterização é um exemplo maravilhoso de como a imaginação de uma criança pode preencher um deserto com aventuras, e em seu primeiro papel de cinema, Lorenzo Mello entrega uma atuação que eleva todo o filme. Toda cena com ele, um garoto de língua afiada e olhos expressivos, é sempre um deleite de assistir.
*Manter o título português de Star Wars é um daqueles pequenos detalhes valiosos; o uso do título em inglês é algo bem mais recente.
Assim, Pequenas Criaturas esbanja uma qualidade que o coloca ao lado de grandes filmes. No cinema do Festival do Rio, foi fácil pensar em Boyhood, Lady Bird ou Conto de Verão. Ele pode não ter o mesmo aproveitamento destes clássicos, mas este longa – em que a câmera insiste em encontrar imagens de beleza improvável – tem uma brasilidade inegável e bem-vinda. Nada mais justo para algo situado em Brasília.
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