Pequenas Coisas Como Estas

Créditos da imagem: O2 Play

Filmes

Crítica

Cillian Murphy mantém as brasas de Pequenas Coisas Como Estas minimamente acesas

Filme de Tim Mielants funciona quase unicamente como palco para ótimos atores

Omelete
4 min de leitura
13.03.2025, às 09H00.

Não demora muito para Pequenas Coisas Como Estas te colocar dentro de seu mundo. O filme de Tim Mielants transborda textura desde os primeiros minutos, quando somos apresentados aos cenários frios e densos de New Ross, uma pequena e aparentemente pacata vila irlandesa, e seus habitantes. Nosso guia é Cillian Murphy. Em sua primeira atuação desde a vitória no Oscar por Oppenheimer, ele interpreta Bill Furlong, um vendedor de carvão que tem as mãos, literalmente, no combustível da cidade.

Suas mãos e olhos tipicamente se encontram no centro dos enquadramentos do diretor de fotografia Frank van den Eeden, formando imagens que sugerem um homem observador e que considera suas ações – temas apropriados para um filme sobre a escuridão que uma comunidade escolhe ignorar. Esta é personificada nas freiras do convento católico local. Chefiado pela afiada Irmã Mary (Emily Watson), também responsável por dirigir as missas e administrar a escola de New Ross, e situado ao lado do depósito de carvão de Bill, o local é casa de diversas jovens que, por uma ou outra razão, não têm para onde ir.

O que significa, claro, que quando uma delas (Zara Devlin) escapa brevemente dos abusos – nunca explícitos, mas facilmente imaginados – cometidos pelo clero, o carvão de Bill se torna seu esconderijo, e esses encontros desbloqueiam no homem a necessidade de agir. É um preparo de terreno ímpar que, com raras exceções, não é minado com efeito. Boa parte do roteiro de Enda Walsh acaba se resumindo a cenas onde diferentes cidadãos – a freira, a esposa, a dona do bar – repetem para Biill como será difícil para ele e suas meninas se a Igreja Católica, responsável por uma parcela tão grande da vida naquele vilarejo, fechar as portas para ele.

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Antes mesmo de cruzar o caminho da indefesa Sarah, que implora por sua ajuda, Bill já tem um olhar aguçado para os sofrimentos de uma cidade que prefere manter as aparências e seguir seu dia-a-dia, e como consequência parece viver carregando o peso dessa consciência nos seus ombros. Mielants se esforça para sustentar o drama por 90 minutos com base nessa dinâmica. Descobrimos New Ross através de Bill, e também com ele, percebemos as dores do local.

É de imensa ajuda, então, ter Cillian Murphy no papel principal. Como em Oppenheimer e em tantos outros exemplos, o ator irlandês consegue invocar um universo por trás de seus olhos azuis. Poucas vezes alguém foi tão capaz de sugerir pensamento, em especial quando estes parecem assombrar – moral e emocionalmente – o personagem, e não é um exagero dizer que Pequenas Coisas Como Estas sequer funcionaria se Murphy não estivesse presente em quase toda cena.

Sua ausência vem apenas em flashbacks para a infância de Bill, quando descobrimos como ele foi acolhido por uma mulher rica depois que sua mãe morreu e seu pai desapareceu. Se, por um lado, essas memórias nos dão o prazer de assistir a uma subutilizada Michelle Fairley como a caridosa Srta. Wilson, sua presença no filme simplifica demais as ações do protagonista, sugerindo o trauma insuperável de imaginar que ele poderia ter caído em instituições como aquelas e assim justificando suas motivações. Não há nada de errado com motivações, mas assim como a construção de atmosfera, Pequenas Coisas Como Estas pouco faz com as peças que coloca no tabuleiro.

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New Ross joga poeira para baixo do tapete. Bill precisa escolher entre seu desejo de ajudar e a tranquilidade da vida de sua família. Tudo isso fica muito claro muito cedo, e o filme não explora a fundo nenhuma dessas tensões, exceto quando coloca dois grandes atores na mesma sala, como na longa e agonizante conversa de Bill com Irmã Mary, quando a madre superior deixa implícitas as consequências que ele, sua esposa e suas quatro filhas sofrerão caso ele saia por aí comentando sobre o que sabe sobre o convento. A parede erguida por Murphy encontra um desafiante à altura nas investidas calculadas de Watson. Num filme que parece dar tantas voltas, é uma pena que os dois não recebam mais oportunidades de contracenar.

Os círculos enfim acabam, e Pequenas Coisas Como Estas precisa concluir sua história. A necessidade se mostra benéfica para o filme. Chegamos a um ponto em que, por mais previsível que seja essa conclusão, ela oferece uma mudança de circunstâncias e emoção. Em especial pela sequência do clímax que começa colocando Bill e Sarah literalmente no coração da cidade e termina com uma bela rima poética usando as mãos sujas do homem de carvão, Mielants evoca imagens que adicionam substância aos acontecimentos. É tarde demais para fazer um grande filme, mas como Bill e New Ross, o despertar eventualmente chega.

Nota do Crítico
Bom
Pequenas Coisas Como Estas
Small Things Like These
Pequenas Coisas Como Estas
Small Things Like These

Ano: 2024

País: Irlanda

Classificação: 12 anos

Duração: 1h38 min

Elenco: Cillian Murphy, Emily Watson

Onde assistir:
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