Filmes

Crítica

Pássaro Branco na Nevasca | Crítica

Em busca da década perdida

24.04.2015, às 15H43.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H35

Dos filmes de amadurecimento juvenil do diretor Gregg Araki (Mistérios da Carne, Kaboom),Pássaro Branco na Nevasca (White Bird in a Blizzard, 2014) é um dos mais contidos. A presença da estrela ascendente Shailene Woodley (A Culpa é das Estrelas) em cenas de nudez pode sobressaltar os incautos - o filme tem classificação 14 anos no Brasil - mas sem dúvida é uma porta de entrada suave para a "experiência Araki".

Shailene vive Kat Connors, que aos 17 anos tem com sua mãe (Eva Green) uma relação típica: de um lado, a adolescente independente cheia de certezas, do outro, a bela mulher que envelhece cheia de arrependimentos. Uma projeta na outra suas frustrações e seus julgamentos, e quando a mãe desaparece um dia, repentinamente, Kat e o espectador são levados a interpretar o sumiço como a esperada alforria, um ciclo que se encerrou.

A ideia de migrar de uma realidade castradora (viver com os pais, frequentar sempre o mesmo shopping, sempre a mesma festa, onde "tudo congela no tempo", diz Kat) para uma oposta, que permite todo sonho de liberdade (transar com um policial e assim subjugar a autoridade e o "sistema" é o ápice do empoderamento no filme), é a fantasia que acompanha todo adolescente. Por irreal que seja essa oposição, é a partir dela que nós tomamos coragem para deixar a proteção do ninho. Depois, desencantar-se com essa fantasia é o que nos torna adultos.

Ainda assim, há um encanto que se preserva nos filmes de amadurecimento de Gregg Araki, como se seus personagens despertassem para a vida (na descoberta do sexo, da morte) sem abrir mão de uma certa ingenuidade. Essa ingenuidade - como um véu, demarcado na fotografia estilizada, de sonho, de Pássaro Branco na Nevasca - toma a forma do cinema de gêneros baratos nos filmes de Araki; tramas de abdução, de novelinha teen, de comédia de maconheiros, sempre a serviço de uma crença de cinefilia: existe uma verdade possível, perene, mesmo na cultura pop mais instantânea.

Em Pássaro Branco na Nevasca, o gênero escolhido é o do mistério, com toques de sobrenatural e procedimento policial, para revisitar a era do pânico da AIDS, com sua ameaça invisível cujo nome ninguém ousava dizer. Se a narrativa que virou norma para essa época, entre os anos 80 e o início dos 90, é aquela que associa o sexo à desesperança, ao niilismo, Araki subverte-a com o humor de sempre (a ameaça vira farsa doméstica) e trata de encaixar ali o discurso recorrente dos seus filmes: do sexo como autodescoberta e como iluminação.

"O futuro me aborrece", diz Kat, adolescente que parece viver mesmo o presente de maneira descompromissada. O que importa de fato, ela descobrirá, é desmistificar o passado. Pássaro Branco na Nevasca é um filme todo de sonho, de reminiscências - a sessão de terapia da protagonista parece deslocada no tempo, como se a narração toda partisse dali, e a trilha sonora também depende do ponto de vista de Kat e seu walkman - feito para redimir a "década perdida", porque sempre há uma pureza possível, mesmo depois do desencanto.

Pássaro Branco na Nevasca | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Bom

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