Dentro do microcosmo da fama, “papagaio de pirata” era um termo usado para descrever pessoas que faziam de tudo para aparecer na TV. Antes da globalização e os avanços tecnológicos nos transformarem em reféns do mundo digital, a maior ferramenta que os ditos alpinistas sociais - a definição embrionária dos agora autointitulados influenciadores - tinham para atingir seus objetivos era perseguir repórteres de programas televisivos, geralmente os que trabalhavam com conteúdos policiais, para permanecer atrás do jornalista enquanto o mesmo gravava a sua reportagem. Desta forma, estes personagens apareciam na casa de milhões de espectadores que, com o tempo, se acostumaram a ver tais figuras a todo o momento.

Em um mundo cujo debate sobre qual é o limite moral que uma pessoa pode ultrapassar para alcançar a tão sonhada fama ainda é constante, o tempo parece ter feito justiça a estes “louros”. No universo de Papagaios, a figura de Tonico (Gero Camilo), morador do bairro de Curicica, no Rio de Janeiro, gera mais empatia do que qualquer outra coisa. Veterano na “função”, ele se contenta em ter seus cinco minutinhos de fama enquanto ganha pequenos mimos de outros moradores da região. Seu trabalho repercute ao ponto de ele ser convidado a um programa de televisão, o que chama a atenção do misterioso Beto (Ruan Aguiar).

É no reflexo da relação entre Tonico e Beto, que se encontram após o jovem armar para ser adotado como protegido do veterano, que o diretor estreante em longas de ficção Douglas Soares passa a construir um suspense incômodo. Abraçado como jovem aprendiz de Tonico, Beto é uma figura sombria, quase muda, que mantém suas verdadeiras ambições ocultas. Não se sabe se a obsessão por Tonico tem um viés de curiosidade ou ambição, e através de respostas subjetivas o cineasta cria uma ambientação soturna e inerente à verdade; vindo de Beto, tudo parece ser possível.

Em Papagaios, Beto é quase um Ripley do subúrbio carioca. À primeira vista inocente e carismático, o aprendiz usa e abusa de suas qualidades para conseguir o que quer. Há um erotismo dentro do suspense criado por Soares, que marca a figura do jovem sem nunca entregar o fim - Beto transou com o casal para qual apresentou seu apartamento ou os matou? Ele seduz Tônico ou seu interesse era ser abraçado como filho? Na ausência de respostas concretas, a subjetividade se torna a força motriz do filme, algo fundamental para alguém que, como o cineasta, tem a ambição de criar um bom suspense - e consegue.

Embora parte de sua condução pareça um tanto lenta demais em alguns momentos, Soares não cai na armadilha de recorrer a grandes sequências dramáticas ou de ação. Papagaios é um filme extremamente fiel à sua proposta original, e o cineasta toma o tempo necessário para construir as personas de Tonico e Beto sem, que ambos pareçam caricatos demais. Uma virtude que merece destaque, já que o personagem de Ruan Aguiar tem em média 20 frases ao longo de pouco mais de 90 minutos, o que torna a proposta de criar uma conexão entre Beto e espectador através do silêncio ainda mais desafiadora.

Papagaios, no fim, não é apenas mais um suspense brasileiro: é uma homenagem ambiciosa a estas figuras da cultura pop, que podem ter caído no esquecimento, mas que são dignas de serem lembradas. Principalmente em um mundo onde a imagem, os cinco minutos de fama e a dúvida sobre as atitudes - reais ou não - dominam as novas mídias.

*Papagaios foi exibido no Festival de Gramado 2025. Uma data de estreia oficial ainda não foi confirmada.

Papagaios

Papagaios

País: Brasil

Classificação: 14 anos

Direção: Douglas Soares

Elenco: Gero Camilo, Ruan Aguiar

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