Pai Mãe Irmão Irmã é dramédia simpática, mas estéril, de Jim Jarmusch
Apoio da Saint Laurent Productions força algo artificial no longa capitular do diretor
Créditos da imagem: Cena de Pai Mãe Irmão Irmã (Reprodução)
Nenhum cinéfilo com o mínimo de conhecimento da obra de Jim Jarmusch vai se surpreender com o ritmo de Pai Mãe Irmão Irmã. O novo longa do diretor estadunidense, seu primeiro desde Os Mortos Não Morrem (2019), segue um groove familiar para os fãs de filmes como Daunbailó (1986), Flores Partidas (2005) ou Paterson (2016), um naturalismo que comunica tanto pelo silêncio, pela extensão cuidadosa do tempo vivido pelos personagens, quanto pelo diálogo.
O Jarmusch poeta do tédio, que esconde as arestas punk de sua formação estética e sua filosofia por baixo de uma vagarosidade reveladora, está à plena vista em Pai Mãe Irmão Irmã – mas há outras forças que moldam e transformam a sua sensibilidade aqui, e nem sempre para o bem.
Nominalmente, Pai Mãe Irmão Irmã é um título da Saint Laurent Productions, empreendimento inovador da marca de luxo no cinema. Ostentosamente criada para apoiar “cinema autoral” ao redor do mundo, a produtora tem colocado o seu dinheiro em filmes de nomes prestigiados, mas esse apoio parece vir atrelado a uma exibição das peças da grife, e a uma expectativa estética. Os resultados, de Estranha Forma de Vida a The Shrouds, têm sido… mistos, na melhor das avaliações.
Pai Mãe Irmão Irmã é o exemplo mais recente de como cinema e alta-costura, embora sejam frequentes colaboradores, nem sempre fazem bem de coexistir. Aqui, o olhar generoso de Jarmusch para as interações e dinâmicas entre os personagens nos lembram por que amamos o cinema do diretor, mas são filtrados por uma esterilidade elegante que tem tudo a ver com as passarelas, e pouco a ver com o mundo onde ele costuma operar.
Daí que Adam Driver e Mayim Bialik abrem o filme com seus oclinhos quadrados e sobretudos impecáveis, dirigindo até a casa do pai viúvo (Tom Waits), que parece estar vivendo na miséria. Depois, o trio Charlotte Rampling, Vicky Krieps e Cate Blanchett surge com terninhos e pulôveres vermelhos para o capítulo do meio do filme, em que duas irmãs de personalidades opostas visitam sua mãe escritora para tomar chá, e contam a ela uma série de mentiras sobre suas vidas. E o ponto final é provido pelo despojamento calculado de Indya Moore e Luka Sabbat, um duo de irmãos se despedindo do apartamento dos pais após sua morte.
A fotografia, assinada por dois colaboradores frequentes de Jarmusch (Yorick Le Saux e Frederick Elmes), também parece dividida entre a proximidade observadora que é habitual em suas obras e um afastamento mais frio, marcadamente artificial. Os momentos mais constrangedores de Pai Mãe Irmão Irmã vêm desse conflito, vide as viagens de carro que marcam o início de cada uma das três histórias – um de vários paralelos simpáticos que o roteiro desenha entre elas –, que exibem um uso amadorístico da tela verde e são fatais para a imersão do público naquele mundo que se propõe tão realista.
É uma pena, porque a sensibilidade de Jarmusch continua afiada do alto de seus 72 anos. Pai Mãe Irmão Irmã é uma boa dramédia (por vezes genuinamente engraçada, de uma forma que o cineasta não consegue ser há tempos) sobre como criamos ilusões para nossos entes queridos, como nos deixamos enganar uns pelos outros, e como o afeto que construímos entre nós supera até essas mentirinhas que deixamos passar. E o elenco inteiro capta esse subtexto, correndo com ele em direções variavelmente eficientes (se você me perguntar, Krieps e Moore se saem melhor que os colegas), mas invariavelmente fascinantes.
De certa forma, é uma tragédia marcantemente contemporânea que uma obra com potencial humano tão latente tenha sido em certa medida castrada pelas cordas amarradas ao próprio dinheiro que a tornou possível.
*Pai Mãe Irmão Irmã foi exibido na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ainda não há previsão de estreia no circuito comercial brasileiro.
Pai Mãe Irmã Irmão
Father Mother Sister Brother
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