Os Galãs é o filho anárquico e brilhante de Esqueceram de Mim e Evil Dead

Há quem vá dizer que Os Galãs é comédia de uma piada só - e não dá para negar que essas pessoas terão parte da razão. No filme de estreia do diretor e roteirista Nam Dong-hyup, uma fatia considerável do humor nasce de um único mal-entendido. A saber: Jae-pil (Lee Sung-min) e Sang-gu (Lee Jee-joon), irmãos de aparência mal cuidada, mas boas intenções, se mudam para uma cabana afastada a fim de “viver a vida rústica”. Seus vizinhos são um grupo de jovens esnobes liderados por um golfista famoso, que repetidamente capturam vislumbres dos irmãos em situações perfeitamente inocentes e as interpretam como evidência de que eles são, exatamente como o grupo já suspeitava por causa do seu exterior “casca-grossa”, uma dupla de psicopatas.

O roteiro de Nam, no entanto, faz bem duas coisas que impedem que a repetição da premissa incomode. A primeira é escalar esse desencontro simples entre os personagens a níveis cada vez mais absurdos - Os Galãs usa a violência com o abandono de quem sabe que o público não vai levá-la a sério, e encena essa violência com o faro pop de quem foi criado em uma dieta de cinema de gênero tão excessiva quanto dessensibilizante. Como todo cineasta estreante, Nam faz um trabalho essencialmente derivativo atrás das câmeras do longa, mas há uma paixão genuína pelas referências que ele traz, e um espírito anárquico refrescante na forma como as mistura sem muito medo.

A segunda coisa que Os Galãs faz bem para escapar do tédio, enquanto isso, é abraçar um espírito de ingenuidade que está, inclusive, na construção dos dois protagonistas. O rabugento Jae-pil, mais velho da dupla, expressa ciúmes e codependência de um nível básico que é quase juvenil, emoções primárias nas quais o ator Lee Sung-min (O Homem ao Lado) deita e rola durante o filme. Enquanto isso, o sonhador Sang-gu complementa o irmão com um charme inegável que advém, principalmente, da completa falta de autoconsciência que ele demonstra. Lee Hee-jon (Mouse) - que na verdade é um rapaz bem bonito, o que a maquiagem do filme só se esforça pela metade para esconder - abraça com entusiasmo este personagem sem vergonha nenhuma de ser quem é, porque sabe que confiança em sua própria excentricidade é o traço mais atraente de todos.

E não é nem que Os Galãs faça uma virada brusca para transformar esses dois em figuras românticas, porque não faz, mas o filme quer sim nos mostrar que se apaixonar por Jae-pil e Sang-gu faz muito mais sentido do que se apaixonar pelos coadjuvantes mais jovens, mais “ajustados” e mais egocêntricos que os cercam. Essa é a cartada mais inteligente do diretor e roteirista Nam Dong-hyup: diante de uma história e uma elaboração de gênero que sabe não ser inédita, ele nos faz torcer por seu filme porque seu filme torce pelos azarões. E são azarões no sentido mais puro da palavra, porque têm o potencial para vencer, e todos os méritos morais para que fiquemos felizes quando vencem.

Parte desse charme, é verdade, Os Galãs deve ao filme do qual empresta parte considerável de sua premissa: o clássico cult canadense Tucker e Dale Contra o Mal (2010), que também mostrava dois irmãos caipiras sendo mal-compreendidos por um grupo de jovens “descolados”. A diferença, como inclusive costuma ser quando tradições cinematográficas ocidentais e orientais se cruzam dessa forma, é que esta versão sul-coreana da trama não se priva tanto do absurdo, nem se rende tanto a um final convencional. Os Galãs abraça o sobrenatural quando Tucker e Dale o evita, e confia no carisma de um laço platônico quando sua contraparte canadense apostava no romance.

O resultado é uma experiência cinematográfica mais satisfatória, uma mistura improvável de Evil Dead e Esqueceram de Mim , com todo o cinetismo e a inocência dessas franquias - filmes de contextos inteiramente diversos, eles dividem o tratamento cartunesco da violência, e a confiança em seu potencial catártico. Os maus entendidos de Os Galãs tem algo de mecânico em comum com as arapucas de Kevin contra os assaltantes de sua casa, mas a devoção do filme a uma tradição mais sanguinária de horror, misturada com uma paródia do heroísmo de ação encharcada em referências pop, tem mais a ver com Sam Raimi do que com Chris Columbus. De qualquer forma, é uma fusão que funciona brilhantemente.

*Os Galãs foi exibido na 14ª Mostra de Cinema Coreano em São Paulo.

Os Galãs

핸섬가이즈

Ano: 2024

País: Coreia do Sul

Duração: 101 min

Direção: Nam Dong-hyup

Roteiro: Nam Dong-hyup

Elenco: Lee Sung-Min , Gong Seung-yeon , Lee Hee-joon

Onde assistir:

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