O Mestre da Fumaça tem boas ideias, mas se leva a sério demais
Filme não se decide entre drama e comédia e decepciona em ambos
Créditos da imagem: Lança Filmes/Divulgação
Convém sempre lembrar que a expectativa é a mãe da decepção, especialmente quando a premissa de um filme parece boa demais para ser verdade. Essa é a sensação que fica com O Mestre da Fumaça, filme brasileiro que une artes marciais ao uso recreativo de maconha. Ao longo dos seus inconstantes 104 minutos, o que poderia ser uma comédia de ação galhofeira e empolgante na linha Cheech & Chong se torna uma bad trip interminável.
O Mestre da Fumaça começa com um prólogo divertido que logo se desdobra numa trama complicada, envolvendo uma “maldição” — que nada mais é do que um assassinato encomendado — que já vitimou os pais do protagonista Gabriel (Daniel Rocha) e ameaça matar seu irmão mais velho, Daniel (Thiago Stechinni). Inteiramente dedicado a essa contextualização, o primeiro ato arranca bocejos e algumas risadas não-intencionais direcionadas a combates lentos e mal editados entre os aprendizes de kung fu que protagonizam a história.
Os poucos momentos empolgantes de O Mestre da Fumaça são aqueles protagonizados por Yan Wu, o mestre titular interpretado de forma leve por Tony Lee. Ciente da bizarrice do conceito do longa, o ator chinês entra no espírito com uma atuação caótica e hilária, que destoa do restante: o roteiro e a direção de Andre Sigwalt e Augusto Soares parecem se levar a sério demais para uma história baseada no consumo de cannabis como treino de artes marciais. Pastelão não é bagunça e exige um mínimo de compromisso com a anarquia, e o filme não compreende ou não parece capaz de sustentar esse tipo de humor oferecido por sua própria premissa.
A falta de um tom definido é constante; se o primeiro e o terceiro ato se perdem entre o dramalhão e o caricato, o segundo parece um grande esquete cômico desconectado do que veio antes e vem depois. Por mais que a mistura de gêneros não seja nenhuma novidade no cinema, e seja obviamente esperada numa comédia de pastiche, O Mestre da Fumaça não consegue conectar drama e comédia em um só; o resultado é apenas desconjuntado.
Com as exceções de Gabriel e Yan Wu, os personagens parecem transitar pelo filme por acidente. Do grupo de amigos do protagonista, apenas Daniel tem o mínimo de influência na trama, e em meio a muitas participações curtíssimas fica difícil para O Mestre da Fumaça prender a atenção do público quando Lee (e seus infinitos baseados) não estão em cena. A essa altura a brisa da cannabis e seus déficits de atenção realmente tomam conta do filme, que não consegue transformar o fluxo de consciência (se é que dá pra chamar assim) numa narrativa que engaje.
Um orçamento mais robusto talvez não salvasse O Mestre da Fumaça, mas provavelmente ajudaria o filme a realizar melhor seu potencial. O dinheiro limitado causa alguns momentos desastrosos, como a transformação do que deveria ser uma festança na mansão do vilão em uma modesta reunião noturna à beira de uma piscina, e da épica batalha final em uma luta editada sem o cuidado que produções de artes marciais pedem. A precariedade e o amadorismo sem dúvida podem adquirir um valor próprio em filmes assim, como qualquer fã do kung fu de Hermes & Renato sabem, mas mesmo a galhofa tem suas exigências.