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O Futuro | Crítica

Qual é o lugar no mundo real do videoartista hipersensível do século 21?

25.04.2013, às 19H00.
Atualizada em 04.11.2016, ÀS 15H04

É provável que a artista plástica, roteirista e cineasta Miranda July não se afetasse por crises criativas tão dramáticas se não vivesse no século 21. Mas hoje qualquer um pode não apenas ser famoso por 15 minutos, pode também ser videoartista por todo o tempo que couber no YouTube - e é essa facilidade que atormenta a diretora de O Futuro.

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July levou ao cinema a discussão da impessoalidade dos meios digitais quando estreou em longas, com Eu, Você e Todos Nós. O cinema, apesar de todo o esgotamento da imagem nos nossos tempos, é a forma que ela encontrou para falar sobre esse mesmo esgotamento. Em 2009, July fez um ensaio para a Vice interpretando extras em filmes hollywoodianos clássicos (veja) que resume essa ambição: ela tenta se aproximar do espaço mítico das imagens de um jeito discreto, fazendo "figuração", mas a ressignificação que ela almeja não tem nada de modesta.

Em O Futuro, Sophie (July) e seu namorado Jason (Hamish Linklater) parecem ter consciência da força de uma imagem perene, na brincadeira de estátua que fazem no sofá. Observam-se estáticos por uns segundos; são os típicos indies belos e despojados. Mas o que fazem com o que têm? Sophie e Jason no fundo formam o típico casal da vanguarda digital do século 21, cada um no seu Mac, paralisados por sonhar com grandes conquistas - a tecnologia permite grandes conquistas - que nunca colocam em prática.

Eis que um gato aparece para mudar as coisas. Sophie e Jason decidem adotar um. Chegam ao abrigo e descobrem que o felino escolhido, que está com a pata esquerda machucada, ainda vai precisar passar um mês com os veterinários até que os novos donos possam pegá-lo. Sophie e Jason encaram esses 30 dias de espera como um momento decisivo: é um mês para fazer algo nobre, definitivo, que os complete como indivíduos, porque quando o gato chegar ele tomará toda a rotina e a atenção do casal, dali em diante.

Essa reação evidentemente desproporcional - enxergar "um filho" em bichos de estimação é apenas um dos sintomas da taquicardia com que a nossa infantilizada geração encara o abismo sem fundo que seria a vida adulta - é uma das afetações que pode tornar, logo de início, O Futuro uma experiência irritante para o espectador. July está aqui na plenitude da Autora Sensível em contato com seu Eu Primordial: dubla o gato com voz de criança, age e reage em cena com uma languidez quase autista e sai para o mundo tal uma recém-nascida com aguda perversão polimórfica, "sentindo" tudo intensamente como se fosse a primeira vez.

O Futuro começa a ficar interessante quando o próprio mundo reage - com suas cruezas, seu pragmatismo - à visão colorida de Sophie. Não convém contar aqui o que acontece com a personagem durante os 30 dias em que ela "vai à luta", mas vale dizer que July sabe olhar com ironia para seus próprios excessos de sensibilidade (a cena da encoxada na mobília é a melhor). A "vida real", no fim das contas, é oposta àquilo que Sophie imaginava: as crianças podem ser mais cruéis que os adultos e o que se via como epifania talvez seja só uma banalidade.

É inserida nessa "vida real" que Sophie consegue se expressar plenamente, na cena da dança com a camiseta amarela. É uma ressignificação como aquela que July insinuou no ensaio da Vice: se existe um espaço mítico das imagens, esse espaço não tem nada a ver com o teatro imediatista do YouTube. Não é um espaço de privilégios; é um espaço a ser conquistado, e a cena da dança expressa esse acúmulo de tensões. A coreografia do casulo (Sophie esgarça a camiseta até ser completamente vestida por ela) reflete o conflito dos videoartistas do século 21 cuja arte se encerra em si mesma. Como levar essa arte ao mundo real?

Com O Futuro, Miranda July tateia esse mundo real e ensaia uma terapia da sua hipersensibilidade. E embora o filme esteja cheio de falsas modéstias - o "artista" está em crise mas ainda pode controlar as marés - o seu desfecho deixa claro que há um incômodo a ser discutido. July pode ser a indie mais afetada em meio a toda a afetação do universo indie, mas é uma posição (e uma responsabilidade auto-atribuída) que visivelmente a angustia.

O Futuro | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Bom
O Futuro
The Future
O Futuro
The Future

Ano: 2011

País: EUA, Alemanha

Classificação: 14 anos

Duração: 91 min

Direção: Miranda July

Elenco: Miranda July, Hamish Linklater, David Warshofsky, Isabella Acres

Onde assistir:
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