Daniel Zovatto e Russell Crowe em O Exorcista do Papa (Reprodução)

Créditos da imagem: Daniel Zovatto e Russell Crowe em O Exorcista do Papa (Reprodução)

Filmes

Crítica

O Exorcista do Papa rejeita terror para ser filme de super-herói bem convincente

Julius Avery está mais preocupado em construir mitologia do que em assustar

Omelete
4 min de leitura
06.04.2023, às 12H00.

O que almeja um filme de horror? Desde sua gênese - e das obras literárias e folclóricas que o precederam -, o cinema de horror prosperou como um exercício duplo: primeiro, de infiltração psicológica, encontrando maneiras de incomodar o público de seu tempo e tocar, quem sabe, em medos primordiais da condição humana; segundo, de construção de gênero. O terror se move pelos anos, ainda mais do que outras formas de cinema, como narrativa pop, acumulando chavões, educando o público sobre quais expectativas cultivar diante de histórias que se repetem, e tirando enorme prazer da brincadeira de confirmar, subverter ou sutilmente modificar essas expectativas.

Em contraste, o que almeja um filme de super-herói? Desde que Aquiles surgiu na Ilíada, e sem dúvida até antes disso, em tradições narrativas orais, a história de super-heroísmo tem a ver com a construção de uma mitologia. Uso a palavra não no sentido que aplicamos mais casualmente a ela, quando falamos do trabalho de atribuição de detalhes, especificidade, que um criador precisa aplicar a qualquer mundo ficcional. Embora o filme de super-herói também faça isso, seu esforço mitológico está mais na raiz da palavra, ou seja, na construção de um mito. Daí o foco nas experiências e nos cacoetes de um protagonista, que se torna a figura na qual o espectador se agarra durante uma jornada de provações e eventual triunfo (ou ao menos é isso que presumimos).

O Exorcista do Papa, nesses parâmetros,é muito mais filme de super-herói do que filme de horror. Tanto como produto da indústria hollywoodiana quanto como narrativa cinematográfica, ele está muito mais interessado em mitologizar o padre Gabriele Amorth (Russell Crowe) do que, por exemplo, Invocação do Mal está interessado em mitologizar os Warren, que permanecem até hoje - mesmo depois de múltiplas continuações! - figuras cifradas, pouco mais do que guias para a jornada do espectador através das assombrações da vez e das ansiedades traduzidas por elas. Compare o que sabemos do passado de Lorraine e Ed, dos detalhes de sua relação marital, com o que descobrimos sobre Amorth no tempo limitado de O Exorcista do Papa, e o contraste ficará mais do que óbvio.

O paralelo é ainda mais oportuno porque Amorth, assim como os Warren, é inspirado em uma figura real. O carismático padre, que morreu em 2016 aos 91 anos, atuou como exorcista sob a tutelagem do Vaticano por três décadas, e escreveu vários livros de memórias sobre suas experiências. Aqui, nós o encontramos enquanto ele é despachado pessoalmente pelo papa para investigar um suposto caso de possessão na Espanha, onde é ajudado por um sacerdote local (Daniel Zovatto) e descobre um segredo que a Igreja tenta esconder há séculos.

Apesar de não se basearem em um dos casos descritos por Amorth em seus livros, os roteiristas Michael Petroni (A Menina que Roubava Livros) e Evan Spiliotopoulos (A Bela e a Fera) abusam da biografia nada ortodoxa do padre - incluindo alusões à sua experiência lutando contra nazistas na Segunda Guerra Mundial, e suas formações universitárias em direito e jornalismo - para extrapolar uma conspiração religiosa que faria seus contemporâneos católicos enrubescerem, mas que parece bem alinhada ao estilo subversivo desse personagem ficcionalizado. Adicione aí alguns detalhes de personalidade excêntricos, minados rigorosamente por um Russell Crowe debochadamente carismático, e pronto: você tem um super-herói para chamar de seu.

Na direção, Julius Avery (que já ensaiou um passeio pelo filme de super-herói ano passado, com Samaritano) reforça essa aproximação do subgênero com uma linguagem visual que pouco tem a ver com as explorações de vazio cênico ou com os longos takes tensos característicos do horror de possessão e assombração. Ao invés disso, ele faz um filme que privilegia o espetáculo das explosões e o movimento dos personagens, travados em um embate cinético de bem e mal que, embora não seja tão geograficamente expansivo quanto um filme dos Vingadores, não deixa muito a dever ao MCU em termos de fisicalidade do elenco ou dinamismo da montagem.

Em O Exorcista do Papa, enfim, o horror é incidental. É claro que as imagens que ele escolhe são mais ousadas na violência e na sensualidade, mas até a abordagem que Avery toma para colocar essas imagens na tela é de certa forma padronizada a partir das superfícies polidas, quase reluzentes, que populam os blockbusters hollywoodianos. Este pode ser um filme sobre coisas assustadoras, mas não é um filme assustador, ou que quer assustar. Aliás, pelo contrário: ao invés de tentar criar uma experiência incômoda, O Exorcista do Papa mira em conforto e empatia. Sua missão mais importante é fazer o espectador entender o padre Amorth - e, eventualmente, comprar o seu mito.

Cinicamente, é claro que isso acontece porque estabelecer uma ligação forte com o personagem garante o apetite pelas fortemente implicadas continuações da franquia. Mas essas são considerações para executivos e produtores: do ponto de vista da experiência que O Exorcista do Papa provém como filme, é difícil negar que, ainda que lhe falte alguma audacidade estilística, este é um trabalho de mitologia executado com a consciência e a eficiência que têm faltado à maioria dos super-heróis mais convencionais de Hollywood. Talvez eles devessem considerar trocar o collant e a capa por um colarinho branco e um crucifixo.

Nota do Crítico
Bom
O Exorcista do Papa
The Pope's Exorcist
O Exorcista do Papa
The Pope's Exorcist

Ano: 2023

País: EUA

Duração: 103 min

Direção: Julius Avery

Roteiro: Michael Petroni, Evan Spiliotopoulos

Elenco: Daniel Zovatto, Russell Crowe, Franco Nero

Onde assistir:
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