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O diretor grego Costa Gavras foi alvo das atenções por parte do público da crítica durante um bom período dos anos 60, 70 e 80. Transitava, com suas obras, dentro de um contexto político bastante pertinente e necessário à época. Eram tempos conturbados na história política da Europa - não, com certeza mais conturbados que os tempos atuais; mas talvez os primeiros momentos em que se pôde usar o cinema como mídia mais contundente de denúncia, vá lá. Ele estabeleceu, e fixou, sua imagem junto ao cenário mundial com filmes engajados, que tomavam posição definida de denunciadores: Z em 1969 e Missing em 1982, por exemplo, com certeza, já fazem parte da carga genética de algumas segmentos da população mundial. Porém, o passar dos anos fez muito mal à imagem do diretor grego. Ele continuou tentando caminhar sobre os trilhos antigos que o haviam conduzido aos primeiros destinos do reconhecimento como artista, mas não notou que o caminho exigia meios de transportes mais sólidos e bem estruturados.
Talvez tenha ficado evidente que a opção adotada pelo diretor ao insistir na mesma batida política não passava de maneirismo, ou truque, para manter-se no topo, para continuar sendo reconhecido como artista diferenciado. Não emplacou nenhuma obra com qualidade a ser destacada nos últimos tempos; apesar de continuar realizando trabalhos com uma certa assiduidade. A denúncia de seu filme anterior, Amen, soou vazia e um tanto oportunista, evidenciando os defeitos que já vinham se manifestando em sua obra nos últimos tempos, especialmente. Tem filmado sob "patrocínio" de vários países Europa afora e, agora, sob a tutela de três países, Espanha, França e Bélgica, comparece com seu mais recente título, O Corte.
A história se passa na França e fala de desemprego nos países ricos e desenvolvidos em tempos de globalização. O engenheiro especializado na área de papéis, Bruno Davert (José Garcia), é mais um dos que sofrem o impacto do "trucidante" e desumano "corte de pessoal"; moléstia que se espalha pelo mundo e não poupa mais ou menos capacitados, mais ou menos bem colocados. Sem perspectiva aparente de algum outro emprego, passado já um razoável período da demissão, e vendo as economias minguarem, o engenheiro Davert é acometido de uma idéia para lá de esdrúxula, visando retomar o rumo profissional: "por que não matar os potenciais concorrentes à mesma função?". A idéia surge por acaso, através um leve e despretensioso comentário do filho adolescente, toma corpo e coragem, passa a ser maquinada e desenvolvida; daí à sua execução, meia hora de filme, não mais.
Falar de desemprego em países da Europa para habitantes nativos e de formação superior, soa como uma patada na fuça de nós, terceiro-mundistas, ante o nível de vida dos pobrezinhos desesperados. Se a intenção de Costa Gavras - ao mostrar de maneira ostensiva as ricas e grandes casas, as arborizadas e plácidas ruas habitadas pelos desempregados de lá - foi a de dar força visual a um contraste social com o resto do mundo, ponto para ele. Agora, se o cenário foi utilizado apenas como pano de fundo para uma história filmada com um misto de humor e temor, situações atrapalhadas e de thriller inconsistente, pena, teria sido uma grande pisada de bola do diretor. Mas, o filme, que vai se conduzindo muito amparado no cinismo e na falta de um apuramento melhor dos sentimentos e situações dos coadjuvantes e potencialmente alvos das balas de Bruno - já que tudo gira em torno das dificuldades e tensões de seu núcleo familiar - toma alguns momentos de bons rumos ao penetrar, a partir de um certo número de mortos, nos sentimentos, problemas, verdades e mentiras destes "meros" coadjuvantes.
É obra que provoca reações diferenciadas no seu transcorrer. Tem momentos em que nos pegamos pensando muito mal da figura do senhor Gavras. Mas algumas situações - tudo dentro do tempo de projeção da película - redimem algumas intenções aparentemente obscuras. Há o erro na facilitação criada pelo método do diretor quanto às conseqüências de ato tão insano como o de sair por aí matando potenciais adversários. Há o erro na criação da figura do psicanalista negro, que entra na trama somente para criar contraste e denunciar possíveis e embutidos preconceitos. Há o erro nos esquetes engraçadinhos que falam de imaginárias traições; somente para criar um clima mais leve e informal. Porém, o diretor acerta - como já disse acima - quando dá "voz" e cara a alguns oponentes do desempregado central, quando enfatiza alguns comportamentos deteriorados e perversamente primeiro-mundistas dos filhos adolescentes de Bruno - a cena em que o moleque se diverte ante as cenas de um noticiário mundo-cão televisivo e o momento em que a filha sobe as escadas somente com roupas íntimas, ante o olhar atônito e pedófilo de um punhado de policiais, elevam a cotação do filme. Não é bom, mas também não é o pior trabalho de Costa Gavras.
Cid Nader é editor do site cinequanon.art.br
O Corte
Le Couperet
Ano: 2005
Lançamento: 28.04.2006
Gênero: Drama
País: França, Bélgica, Espanha
Classificação: 14 anos
Duração: 122 min
Direção: Costa-Gavras
Roteiro: Donald E. Westlake
Elenco: Karin Viard , José Garcia , Ulrich Tukur , Yvon Back , Thierry Hancisse , Olivier Gourmet , Geordy Monfils , Christa Theret , Olga Grumberg , Yolande Moreau , Dieudonné Kabongo
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