Mickey 17

Créditos da imagem: Warner Bros.

Filmes

Crítica

Com ótimo Robert Pattinson, Mickey 17 faz ataque bizarro e divertido à ganância

Comédia sci-fi de Bong Joon-ho é o tipo de coisa que raramente sai de um estúdio de Hollywood

Omelete
5 min de leitura
05.03.2025, às 07H00.

Mesmo antes do lançamento de Mickey 17, a conversa sobre o novo filme de Bong Joon-ho – seu primeiro desde a histórica vitória de Parasita no Oscar – se voltou para as finanças. Muito será dito sobre a bilheteria do longa, que custou em torno de US$100 milhões para os cofres de uma Warner Bros. cada vez mais desesperada para sair da dívida, e sobre como produzi-lo pode ter sido uma decisão equivocada para a empresa de David Zaslav. É uma discussão que jamais deveria vir antes do sucesso artístico da obra, mas sua existência, de certa forma, só reforça os temas discutidos pelo diretor coreano.

Não é de hoje que Bong pauta seus filmes na realidade da divisão entre classes. Expresso do Amanhã literaliza isso com um trem onde as pessoas são separadas em vagões com base no seu poder econômico, e Parasita gira a fórmula para a vertical. Quanto mais fundo o buraco, mais pobres os habitantes. Que seu novo projeto – um raríssimo lançamento de estúdio que é genuinamente peculiar, estranho e sem medo de ofender – tenha sido transformado pela mídia norte-americana num objeto de análise financeira, e não critica, só mostra como as investidas do cineasta contra a obsessão por dinheiro não ficaram nem um pouco menos urgentes. Na verdade, Mickey 17 sugere, isso é uma questão de vida ou morte.

Essas mortes ocorrem quase exclusivamente com Mickey (Robert Pattinson), um órfão endividado que foge de agiotas na Terra da única maneira que consegue: topando ser um “Descartável” numa missão colonizadora liderada por um político perdedor (Mark Ruffalo). Seu trabalho é simples. Antes de sair em explorações espaciais, ser injetado com um vírus experimental ou mapear as cavernas do nevoso planeta Niflheim, onde a nave pousa depois de quatro anos de comida limitada e castidade forçada, Mickey coloca um capacete e deixa suas memórias serem copiadas. Se (quando) ele morrer nas várias situações de risco em que se encontra, um clone é impresso.

Mark Ruffalo em Mickey 17
Warner Bros.

Uso o verbo intencionalmente. Quando o conhecemos, esse grande cobaia está na 17ª versão, e o processo de clonagem de Mickey é encenado por Bong como uma impressora defeituosa. Às vezes seu novo corpo parece enganchar como um papel que teima a sair. É uma das várias piadas que adicionam à Mickey 17 uma boa dose de humor ácido, e que apontam para a realidade final do filme: a comoditização do ser humano. Aqui, o corpo é 100% “aproveitado” para o lucro.

Bong não suaviza suas metáforas. À exceção do fato de que ele não conseguiu ser reeleito, o Kenneth Marshall de Ruffalo é tão obviamente um mix de Donald Trump e Elon Musk que Mickey 17 parece ter sido feito nos últimos dois meses. A religião não-nomeada da qual Marshall se diz fazer parte claramente aponta diretamente para as denominações mais fundamentalistas do cristianismo. Os eventuais conflitos dos humanos com os habitantes deste novo mundo – uma raça aparentemente animal apelidada de Rastejadores – espelham as conquistas imperialistas que massacram nativos. Assim vai.

Mas Mickey 17 tem o dinheiro em mente o tempo todo. Marshall – interpretado por Ruffalo de forma tão caricata que até seu personagem em Pobres Criaturas parece contido em comparação – às vezes perde o controle das palavras e chama a igreja de “empresa”, e sacrifica sua ideologia política na Terra (onde ele é contra a clonagem) em nome do faturamento potencial de dominar um planeta no espaço. Há, sim, racismo e misoginia, mas acima de tudo, há a ganância. No meio dela está Mickey. Sua vítima.

Mickey 17
Warner Bros.

Mickey 17 tem grandes ideias em mente, e as executa quase inteiramente de maneira primorosa. O roteiro tropeça em tramas coadjuvantes – como a de um motim refletindo a criação de uma consciência entre os tripulantes outrora indiferentes, um despertar que não é sugerido em momento algum dos primeiros atos – mas jamais em seu personagem principal. A começar da atuação de Pattinson, que eventualmente passa a interpretar duas versões do protagonista quando um deles sobrevive uma queda aparentemente fatal, Bong Joon-ho não deixa o filme esquecer o elemento chave de sua grande denúncia da cultura corporativista: as pessoas.

Em parte porque Mickey 18 é mais raivoso (há leves mudanças na personalidade de cada iteração. 17, por exemplo, é totalmente inseguro) e faz questão de apontar todas as injustiças cometidas contra Mickey, e em parte porque a atuação brilhante e tragicômica de Pattinson mantém as dores do personagem visíveis mesmo quando seu sorriso parece genuíno, Mickey 17 nunca vira um exercício de gênero ou uma analogia fria da sociedade. Bong Joon-ho é, acima de tudo, um humanista. Mickey pode ser medroso, incompetente em quase tudo (seu relacionamento com a divertida Nasha de Naomi Ackie sugere que, pelo menos na cama, ele não é) e estar longe de ser um grande líder, mas ele é uma pessoa. Ele não é um número.

Se pensamos em Mickey como uma pessoa, todo o filme entra em harmonia. As risadas de ver como Mickey morre se dissipam em tristeza. Por mais que Bong deixe a peteca cair na construção de Mickey 17 como um sci-fi (se você sentir falta disso, confira Mickey7; o livro de Edward Ashton é mais detalhista, engraçado e filosófico que esta adaptação), ele comunica com a maestria de sempre a essência da história. A única coisa que deve ser dita sobre a decisão da Warner de dar dezenas de milhões e corte final para um diretor sul-coreano fazer Mickey 17 é: sorte nossa.

Nota do Crítico
Ótimo
Mickey 17
Mickey 17
Mickey 17
Mickey 17

Ano: 2025

País: Estados Unidos

Classificação: 16 anos

Duração: 2h17 min

Direção: Bong Joon-ho

Roteiro: Bong Joon-ho

Elenco: Naomi Ackie, Toni Collette, Steven Yeun, Robert Pattinson, Mark Ruffalo

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