O Lendário Cão Guerreiro é apresentação honesta às farsas de Mel Brooks
Animação compensa o visual fraco com a estrutura narrativa infalível de Banzé no Oeste
Créditos da imagem: (Nickelodeon Movies/Divulgação)
Com um olhar afiado sobre a indústria do entretenimento e suas relações internas e externas, Mel Brooks atravessou pelo menos três décadas (entre os anos 1960 e 1990) se consagrando como um dos maiores farsistas da história do cinema. Aos 96 anos de idade, essa lenda viva não só integra o elenco de voz de O Lendário Cão Guerreiro como sustenta com um de seus clássicos maiores o que a desajeitada animação da Nickelodeon Movies tem de melhor: as linhas gerais da trama de Banzé no Oeste (1974).
No faroeste cômico protagonizado por Cleavon Little e Gene Wilder, um ferroviário negro condenado à morte é manipulado a assumir o cargo de xerife de uma cidade populada majoritariamente por brancos racistas como parte de um esquema maior de corrupção. Por meio de situações crescentemente insólitas, Brooks (diretor e co-roteirista) desenha a pequenez do pensamento preconceituoso ao fazer o protagonista vivido por Little um herói infalível, naturalmente superior a todas as armações e todos os crápulas que enfrenta. O filme ainda cativa por trazer em primeiro plano uma história singela de amizade e tirar onda com o cinema de modo geral por meio de uma invasão impagável nos estúdios da Warner.
O Lendário Cão Guerreiro recria essa história sem a acidez da crítica direta ao racismo, livre do ocasional sexismo de um filme dos anos 1970 e sem uma metalinguagem tão afiada, mas preservando a mensagem central de enfrentamento ao preconceito. Transformando o bangue-bangue em uma história de samurai com gatos e um cachorro, o filme chega a adicionar um pouco de ruído nessas boas intenções — o orientalismo de Hollywood ataca novamente, em uma inspiração nada sutil na franquia Kung Fu Panda —, mas nada que não seja ignorável.
Quem conhece Banzé irá se divertir com a recriação de muitos dos momentos cômicos do filme setentista com vozes de atores como Samuel L. Jackson, Michelle Yeoh e Michael Cera, como a chegada do herói à cidade, o capanga fortão que se torna um improvável aliado ou os problemas gástricos provocados por feijões, mas a prioridade é evidentemente o público infantil. Despindo de malícia o humor do clássico de Brooks, Cão Guerreiro destaca a simplicidade e universalidade desse clássico da comédia ao mantê-lo efetivo, em uma nova época, a um novo público. E, claro, se permite ser ainda mais um filme com lição de moral.
Se o bom uso do esqueleto de um filme aclamado automaticamente eleva a experiência de assistir a Cão Guerreiro, não é sem um custo. Banzé, como é o caso na maioria das comédias de Brooks, faz o melhor uso possível da narrativa visual em live-action para criar humor — algo que, seria de se imaginar, ganharia ainda mais força em uma animação. Infelizmente, não é o caso aqui. A direção de Rob Minkoff (O Rei Leão) traz algumas boas soluções à tela, mas nunca ousa ao extremo da mídia, e todo o traço e estética do desenho parece inacabado; às vezes falta textura, às vezes sobra, de forma que o que poderia ser redimido como escolha criativa parece apenas fruto de uma produção apressada.
Tudo bem quando acaba bem, e se O Lendário Cão Guerreiro servir para despertar o interesse de novas gerações sobre um pedaço importante da história da comédia no cinema, já será mais de motivo o bastante para gastar um tempo da vida assistindo a um desenho animado; mesmo que ele não seja lá o mais bonito ou original do mundo.