É só lá perto do final de Jimpa, quando a protagonista Hannah (Olivia Colman) se vê precisando tomar uma decisão difícil sobre o rumo do filme que está produzindo, que o drama exibido no Festival de Sundance 2025 parece encontrar o que tem de único a dizer. O dilema de Hannah, para esclarecer sem entregar nenhum spoiler significativo, é entre abraçar uma mentira bonita, uma fantasia de família que faça as curvas cruéis da vida terem mais sentido, ou uma verdade mais difícil, que modificaria o legado e a composição dessa mesma família radicalmente. Sabendo o que sabemos da personagem, a escolha que ela faz não é surpreendente - mas é também emocionalmente ressonante, inesperadamente doce.
Nessa escolha, que se cruza com delicadeza comensurável com algumas outras que os personagens secundários precisam fazer, o roteiro de Matthew Cormack com a também diretora Sophie Hyde (repetindo aqui a parceria de 52 Tuesdays, após o sucesso solo de Hyde com o excelente Boa Sorte, Leo Grande) acha um propósito dramático interessante, um nó de conflito apertado o bastante para amarrar também o espectador àquela história e àqueles personagens. Uma pena que, como eu citei ali em cima, isso aconteça só perto do final do filme, e as quase 2h que precedem esse momento sejam passadas em uma divagação sentimentalista que claramente tem boas intenções, e a sofisticação estética para cumpri-las… mas fica devendo impulso.
No fundo, o que Hyde quer mesmo é fazer um This is Us para o público queer - e há valor nessa ideia. O texto de Jimpa tem, por vezes, a mesma obviedade dramática que carregou série de Dan Fogelman por seis temporadas de aclamação popular, tecendo problemas folhetinescos em torno de uma família ficcional, que está ali para representar choques e ideias muito maiores e mais universais do que qualquer família real poderia. Acontece que, no caso de Hannah, de seu pai gay Jim (John Lithgow), e de seu filhe não-binárie Frances (Aud Mason-Hyde), a ideia é representar a historicidade do ser LGBTQIAPN+, os conflitos geracionais que surgem diante de lutas vencidas e lutas mal começadas, de vivências que se respeitam e que se ignoram.
É um tema valoroso, e cheio de potenciais choques dramáticos fascinantes - mas Jimpa escolhe o caminho fácil de simplesmente representá-los em disputas verbais, conversinhas pseudocivilizadas que soletram esses conflitos sem necessariamente entender a complexidade deles e a forma como eles se desenrolam na vida real. Daí que sobra pouco tempo para pincelar aquela coisa de Hannah se confrontando com a história de utopia que criou para si mesma, e em que medida consegue torná-la verdadeira; ainda menos tempo, aliás, resta para o caminho narrativo igualmente interessante de mostrar Jim como um ativista importante que luta contra a hora de sair de cena, e por isso mesmo vai manchando seu legado, perdendo seu apelo.
E que pena, porque Colman e Lithgow não brincam em serviço. Ela repete aqui um procedimento que é sempre impressionante: o de construir uma fachada afável que pode desmoronar a qualquer momento, e cuja fragilidade só vai aumentando a cada conflito evitado, a cada apaziguamento. E não é nem que sua Hannah tenha um grande momento de explosão - é que, nas mãos de Colman, ela não precisa ter para que entendamos o quanto uma revelação ou uma escolha a afetou. Lithgow, por sua vez, exercita magistralmente aqui a arte quase perdida da construção de personagem linear, pintando em cada cena um retrato mais completo de um homem difícil, que foi fundamental e até por isso não saberia se contentar em viver da memória.
Ele é o ícone queer complicado que Jimpa não quer assumir, de certa forma. Ao fugir das quebras dele e de Hannah em detrimento de um drama discursivo, para não dizer didático, o filme de Hyde pode até apelar para um público mais amplo - mas o que perde pelo caminho é a ponta de originalidade penetrante que faz da arte queer uma das mais excitantes do mundo.
Ano: 2025
País: Austrália/ Holanda/ Finlândia
Duração: 123 min
Direção: Sophie Hyde
Roteiro: Matthew Cormack, Sophie Hyde
Elenco: John Lithgow, Olivia Colman, Daniel Henshall, Aud Mason-Hyde