O Sonho Azul | Crítica
<i>O sonho azul</i>
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Numa das melhores piadas de As Invasões bárbaras (Les invasions barbares, de Denys Arcand, 2003), o professor Rémy relembra o dia na faculdade em que recebeu uma chinesa, estudante de intercâmbio. Notório comedor, já visualizava posições do Kama Sutra quando a convidou para jantar. Mas o seu discurso de intelectual, a respeito das maravilhas da Revolução Cultural de Mao Tse-Tung (1893-1976), não funcionou. Educado nos filmes de Godard, Rémy não soube onde enfiar a cabeça depois da moça contar o que o regime comunista fez com os seus pais. "Ou ela achou que eu fosse um espião ou um completo babaca", concluiu.
Não apenas o professor canadense caiu nas lorotas da "revolução do povo", ilusão na qual a maioria camponesa aderiria aos princípios comunais de partilha e trabalho coletivo, em nome do futuro do país. A maioria dos pensadores de esquerda no Ocidente por muito tempo tomou as lições de Mao como paradigma.
Mas os abusos, as perseguições, a falta de liberdade de expressão, hoje são bem conhecidos. Filmes como O sonho azul ( Lan feng zheng , 1993), do diretor Tian Zhuangzhuang, foram feitos para remexer o passado e desmascará-lo.
A trama começa com um nascimento. Desde pequeno, Tietou observa a revolução mudar a vida de sua família e de seus vizinhos num lugarejo dentro de Pequim. Através do olhar do menino, os anos 50 e 60 exibem sua real história: oficiais confinados por abandonar o exército, moças castigadas por negar desejos aos comandantes do Partido, pessoas proibidas de economizar e comprar comida decente, trabalhadores mortos de fome nos campos de trabalho, homens de juízo mortos por pensar e falar demais. Uma criança que tem as suas estripulias fortemente tosadas, Tietou assiste a tudo. Até que, em plena adolescência, participa do desmoronamento de sua própria vida.
Considerado ofensivo pelo governo chinês, o filme foi banido do país, aplaudido em Cannes e vencedor no Festival de Tóquio. A sua fórmula não poderia ser mais funcional: narrativa realista, elogio da pureza infantil, divisão melodramática de capítulos. Repare na lenta progressão com que a câmera se aproxima dos rostos nos momentos cruciais. Esse tom dramático não tem outra finalidade que não seja a de convencer pela persuasão emotiva. Trata-se, enfim, de um filme didático, educativo - e não faria muito sentido aprofundar-se numa análise estética.
Nesse aspecto, evidencia-se a fragilidade da alegoria principal, a pipa azul do título original pela qual Tietou é fascinado. Representaria a liberdade de vôo que o menino nunca alcança, imagem poética um tanto óbvia, desbotada. Por outro lado, as tragédias raramente são escancaradas, mas apresentadas ao espectador com a mesma insinuação discreta com que o menino as descobre. São pontos negativos e positivos num filme de certa força, essa sim inegável.



