Como uma boa série de filmes pautada mais pelas suas atrações do que por um arco narrativo, os thrillers de ação de Gerard Butler como o guarda-costas do presidente dos EUA estão à mercê da maré. Se o segundo longa, Invasão a Londres, pegou em 2016 a onda dos suspenses de vingança e testou os limites da classificação etária com sua ação bem violenta, agora o terceiro, Invasão ao Serviço Secreto, se vê impregnado do clima de desconfiança política no país.
Dos três filmes, este talvez seja o que mais se aproxima de uma fórmula de trama de conspiração e whodunit: logo no começo o presidente Allan Trumbull (Morgan Freeman) descobre que alguém no seu gabinete está vazando informações para a imprensa, primeira pista de uma reviravolta que colocará rapidamente o chefe de segurança Mike Banning (Butler) como o principal suspeito de arquitetar e executar um atentado contra o seu patrão.
O mistério não demora a ser resolvido, o que conta a favor do filme porque afinal é um mistério muito manjado; a escolha de Danny Huston para fazer o opinioso empresário armamentista lembra a escalação de Jeroen Krabbé para viver o amigo de Harrison Ford em O Fugitivo, sendo tanto Huston quanto Krabbé aqueles atores de sobrancelhas arqueadas que se prestam tão facilmente a papéis diabólicos. Nos seus melhores momentos, Invasão ao Serviço de Secreto tem mesmo um pouco de O Fugitivo, especialmente porque aderir ao thriller de escapada é um bom jeito de oferecer ao público um produto diferente depois de Invasão a Londres.
A correria e a ação corpo-a-corpo são o forte do diretor Ric Roman Waugh, mais um dublê de formação que acabou promovido a diretor em Hollywood, e que dá conta do recado. As cenas de combate são filmadas com impacto e a decupagem de Waugh não deixa o espectador se perder espacialmente entre tantos pontos de vista na hora dos tiroteios. É o feijão com arroz, que o diretor faz com competência. O que Invasão ao Serviço de Secreto tem de mais particular, porém, é como a precisão - que filme de ação americano hoje não é um grande elogio à eficiência militar? - se vê de repente em curto-circuito com o mal-estar político e a atmosfera de… imprecisão.
Não estamos diante de um novo Rambo - Programado para Matar, com seu discurso crítico e sua problematização da letalidade, mas fica evidente o tempo todo em Invasão ao Serviço de Secreto que há um desarranjo no ar. A realidade invade o filme desde sua premissa (o roteiro lembra a interferência da Rússia nas eleições americanas de 2016 para usar o país na sua conspiração ficcional) e algumas cenas inclusive ecoam momentos pontuais de constrangimento da administração Trump (como a coletiva de imprensa tensa que revela o desarranjo na Casa Branca; na hora me perguntei porque Morgan Freeman não tem um secretário de imprensa como o dançante Sean Spicer para poupá-lo da exposição).
Confiança é a palavra-chave aqui, e Waugh filma com a maior das cerimônias quando Freeman pede a Butler, pausadamente, que nunca mais minta para ele. Poucos filmes hoje em Hollywood - pelo menos aqueles que ficcionalizam as figuras de liderança do país - tratam a crise de confiabilidade de Trump de uma forma tão dolorida e sensibilizada. Se existe uma versão de cinema para aquela pessoa que enfrenta crises no relacionamento sempre à beira do choro este filme é Invasão ao Serviço de Secreto.
Porque afinal o relacionamento entre o presidente e o seu guarda-costas, essa dupla de afinamento tão importante, no fim não é tão diferente do relacionamento que qualquer civil tem com o presidente em quem votou; é uma troca de votos, um contrato difícil de partir. O respeito à autoridade e aos símbolos americanos, às instituições, sempre esteve no coração desta franquia, e a partir do momento em que esse elo se parte - porque ecoa-se a traição russa de Trump e as quebras institucionais da vida real - então a franquia precisa buscar seu chão em outro lugar.
Esse "chão" não seria outro senão se escorar em seus dois astros, Butler e Freeman, numa aposta que o filme faz por engrandecer suas personas (em close-ups, em planos mais longos e tempos solenes como nas cenas de quartos de hospital). É como se Waugh tratasse Freeman, especificamente, como uma figura maior do que a do próprio presidente dos EUA, porque Morgan Freeman afinal é sinônimo de confiança (sua cadência suave no falar, o olhar sempre molhado de emoção), não importa o que aconteça, ao contrário dessa instituição do Comandante-em-Chefe em 2019.
Se Invasão ao Serviço de Secreto havia começado esboçando uma trama de mistério, o filme termina numa chave de sentimentalismo (inclusive a entrada do personagem de Nick Nolte se presta a revisitar os fantasmas tipo Rambo numa expiação generalizada de culpas). Às vezes é normal ver isso em finais de trilogia porque existe sempre uma solenidade de despedida no ar, de elegia, mas aqui essas escolhas têm um peso a mais. Na falta de uma confiança no sistema político, o filme a substitui pela velha confiança na imagem hollywoodiana, no brilho dos seus astros. Aí a previsibilidade das reviravoltas do filme até faz um pouco de sentido, porque Waugh está em busca mesmo das poucas coisa em que podemos confiar hoje em dia, e uma delas é a escalação maniqueísta de atores com cara de vilão para fazer os papéis de vilão.
Ano: 2019
País: EUA
Duração: 2h1 min
Direção: Ric Roman Waugh
Roteiro: Matt Cook, Ric Roman Waugh, Robert Mark Kamen
Elenco: Morgan Freeman, Gerard Butler, Danny Huston